Numa semana marcada pelo apagão que deixou praticamente o país desligado, o diretor da Nova SBE lamenta que vários dias depois ainda não tenham sido divulgadas as causas, de forma clara. Em entrevista ao programa Dúvidas Públicas da Renascença, Pedro Oliveira alerta ainda que os números que têm sido apresentados, como potenciais prejuízos, não parecem refletir o impacto deste incidente.
Pedro Oliveira defende ainda que se avaliem redundâncias ao abastecimento elétrico, a dependência a Espanha e mecanismos de resposta, públicos e privados, mais eficazes. Este evento demonstrou que continuamos a ser “o país do desenrascanço”, mas nem sempre resolve.
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Critica ainda a centralização da discussão em questões que não são neste momento prioritárias, como a propriedade da REN - Redes Energéticas Nacionais. Admite que se fale sobre os donos da REN ou os 25% de capital adquirido pela China, mas lembra que o apagão teve origem em Espanha, onde a rede é gerida por uma empresa pública.
O desvio do debate para temas que não são essenciais repete-se também na pré-campanha para as legislativas de 18 de maio. Pedro Oliveira considera que a empresa familiar de Luís Montenegro já não é assunto, numas eleições que nem se justificam. Pelo contrário, há vários temas centrais para o país, incluindo a situação externa, que não têm sido abordados pelos candidatos.
Nesta entrevista ao programa Dúvidas Públicas da Renascença, o diretor da Nova SBE defende os programas eleitorais que aliviam os impostos, para empresas e famílias, e diz ter ficado “muito surpreendido por não ver muito sobre o financiamento do ensino superior, pelo menos nos dois principais partidos”.
Critica ainda a esquerda que “não quer investir na defesa” e os partidos “que não têm sequer a preocupação de fazer contas, atiram coisas para o ar e depois logo se vê”.
No plano internacional, avisa que “Trump é um comerciante. É um construtor civil que usa práticas que são muito parecidas”. A instabilidade das decisões que está a caracterizar o Presidente da maior economia mundial ameaça a credibilidade externa dos Estados Unidos, o que pode ter consequências geopolíticas. É a posição norte-americana a nível mundial que está agora em causa, Donald Trump está a “criar uma situação em que a China e a Rússia ganham uma preponderância global que não tinham. Isso é muito preocupante”, alerta Pedro Oliveira.
O Dúvidas Públicas é o programa semanal de economia da Renascença, que este sábado entrevistou o dean da Nova SBE, no rescaldo do maior apagão de sempre em Portugal, a um dia de arrancar a campanha oficial para as eleições legislativas e na semana em que Donald Trump completou 100 dias no segundo mandato presidencial dos EUA.
É inevitável começarmos pelo apagão, que deixou o país às escuras, literalmente, na segunda-feira. Como é que avalia a resposta do Governo e dos diferentes serviços públicos?
Foi uma quebra brutal nas nossas rotinas, faltou-nos um bem essencial. Depois começaram a faltar outros, da água aos transportes, às comunicações, se calhar uma das coisas que nos falhou mais rapidamente. Percebemos a importância da rádio, era das poucas coisas que funcionavam. Percebemos como estamos hoje dependentes da eletricidade.
Foi surpreendente que isto tenha acontecido num dia de sol, em que as barragens estavam cheias, mostrou algumas das fragilidades do sistema. Obviamente que sabemos que o sistema está muito dependente de Espanha, estamos num mercado ibérico, mas a principal fragilidade é não termos conseguido, a tempo, impedir que um problema que começou em Espanha chegasse tão rapidamente a Portugal e que deixasse literalmente todo o país às escuras.
Depois estivemos quase 12 horas sem energia. Até percebemos porque é que estes apagões acontecem, tem um pouco a ver com as oscilações de tensão que existem na rede e que às vezes são um bocadinho inevitáveis e aconteceu algo que ainda não está explicado, no momento do apagão havia cerca de 40% de energia que vinha de Espanha e de repente desapareceram da rede qualquer coisa como 15 mil megawatts. É uma vez e meia o pico de consumo em Portugal, é um bocadinho inexplicável como é que isto aconteceu e ainda não sabemos. É preciso mecanismo que evitem estes impactos.
A nossa capacidade de desenrascanço serve-nos, mas não resolve os problemas
E sobre a resposta do Governo e diferentes entidades?
Houve, talvez, a expectativa frustrada de que pudesse haver mais comunicação sobre o que é que estava a acontecer, e isso é normal.
A resposta do Governo e das entidades foi a que era possível, porque em Portugal temos apenas duas centrais que nos permitem fazer o arranque autónomo da rede ou o black start: a Tapada do Outeiro, na zona de Gondomar, e Castelo do Bode.
O Governo decidiu alargar a mais duas estações, salvo erro, a capacidade de black start. Vamos passar a ter o Alqueva e o Baixo Sabor, dotadas de capacidade desta função de reinício. Na própria Tapada do Outeiro vai ser expandida esta capacidade, até 2030. Foram ainda anunciadas algumas auditorias independentes para perceber porque é que isto aconteceu.
Também surge agora o debate sobre a interligação do nosso sistema elétrico com Espanha e a nossa dependência com Espanha. Esta questão deve ser repensada?
As questões da independência energética são muito importantes, temos que repensar isso, porque a Europa hoje enfrenta um conjunto de grandes desafios em áreas como a defesa e a reindustrialização, dado o que está a acontecer com a Rússia.
Tem-se falado muito sobre se devíamos ou não ter encerrado as centrais do Pego e de Sines, a carvão. Eu penso que sim. Eu acho que foi uma boa decisão, tomada com a melhor informação que havia na época.
Aumentou a nossa dependência...
Sim, mas o problema em Portugal não foi um problema de falta de capacidade. Já tivemos o país inteiro a ser alimentado em cerca de 80% com energias renováveis. Nós estávamos a depender de Espanha naquele momento, porque era mais barato. Não era porque não tivéssemos essa capacidade de abastecimento. É uma questão de preço.
Se eu acho que Portugal devia ter ali um mecanismo para, entre um apagão, reagir mais rápido ou, eventualmente, precaver o apagão? Sim. Acho que a tecnologia e a inteligência artificial podem ajudar.
Não acho que seja voltar às tecnologias antigas e ao carvão. Não parece que seja um problema de produção.
Não havendo nenhum problema político entre Portugal e Espanha, os dois países conseguem conversar, a questão é essencialmente técnica?
Acho que sim. É um bocadinho preocupante que tantos dias depois ainda não haja uma explicação sobre o que é que aconteceu.
Clara e transparente...
Muito clara e muito transparente. Em Portugal a grande discussão agora é se isto aconteceu por a REN e a e-Redes serem privadas, o que é extraordinário, porque é um problema que vem de Espanha, onde a rede elétrica espanhola é pública. Se houve alguma coisa que falhou, foi uma rede que é pública. Esta discussão toda sobre público e privado é extraordinária.
REN? Não é por ser privado que o apagão aconteceu em Portugal
Mas não acha estrategicamente arriscado que a REN não seja pública, dito de uma forma mais direta?
Não. Podemos ter essa discussão e mais do que ser privada, há a questão dos 25% de capital chinês.
Acho que vale a pena discutir. Mas, obviamente, estes prestadores de serviços essenciais têm certas obrigações que têm de cumprir. Não é por ser privado que isto aconteceu em Portugal. De que é que nos valeu ser pública a rede espanhola ou serem tantas coisas públicas em Portugal que não funcionam muito bem?
O que nós temos de pensar, como sociedade, é na nossa dependência de apenas uma fonte de energia. Isto pode voltar a acontecer e nós em Portugal não somos muito de nos prepararmos. A Comissão Europeia há uns meses falou sobre os kits de emergência e os portugueses, todos nós, sorrimos, nas redes sociais fizeram-se umas piadas. Sorrimos e ignoramos olimpicamente. Depois, quando de repente falta a energia, vemos as pessoas a correrem para os supermercados, a encherem os carros com combustíveis, mesmo os que vão estar na garagem durante os próximos meses parados.
Que alternativas à eletricidade podemos explorar?
É sempre muito importante ter redundância. Nós agora vimos isso em relação às rádios. Muitos de nós hoje também já ouvem rádio através da internet e enquanto os nossos portáteis tinham baterias, até conseguimos. Depois falhou tudo e onde é que as pessoas foram ouvir rádios? Nos carros, porque poucos tinham à mão um rádio com pilhas.
Temos que estar preparados para estas alternativas, a nível individual e mais central. As nossas empresas, as nossas organizações, reagem todas muito em cima do joelho e aí a nossa capacidade de desenrascanço serve-nos, mas não resolve os problemas.
Ainda se fazem contas ao impacto deste corte generalizado de energia, mas podemos dizer que a fatura será limitada, porque foi resolvido em cerca de 12 horas, ou os prejuízos ainda podem ser significativos?
Eu já vi algumas estimativas do Royal Bank of Canada (RBC), que apontavam para números na Península Ibérica muito elevados. Depois vi aqui algumas estimativas em Portugal que me pareciam bastante incompletas, porque, medir o impacto destas coisas é sempre muito difícil. Por exemplo, o impacto reputacional de tanta coisa não funcionar, o caos que foi o aeroporto ou os transportes, é difícil aferir. Os valores que vi serem apresentados pareciam-me pecar por defeito.
Que valores são esses?
Não queria precisar, mas estão errados, estas estimativas são tão por alto! Por exemplo, as universidades tiveram que parar a sua atividade. Naquelas estimativas, ninguém pensou nas universidades, em todos os serviços públicos, nas empresas, que não puderam operar durante um dia, pelo menos. Podia ter sido muito pior e, nesse aspeto, a resposta foi bastante positiva. Mesmo assim, um dia é muito.
Vamos olhar agora para as eleições, tema que marcará as próximas semanas. O período oficial de campanha começa, aliás, este domingo. Como é que olha para esta pré-campanha? Os candidatos estão a discutir os verdadeiros problemas do país?
Antes de olhar para a campanha, tenho que pensar que vamos ter três eleições em três anos, vamos ter quatro eleições em cinco anos e meio. Temos uma situação geopolítica internacional que é complicadíssima, e eu acho que não devíamos estar a ter eleições. Essa é a maior perturbação, porque o nível de incerteza com que as organizações hoje têm de viver já é tão grande. Mesmo nós, em Portugal. É uma festa, não é? Andamos sempre a ter eleições...
Podia ser a festa da democracia, mas são muitas eleições em menos de um ano.
Exatamente. Os nossos atores políticos têm que garantir que não vamos continuar a ter eleições a toda a hora.
E estas legislativas não se justificam, na sua opinião?
Acho que podiam ter sido evitadas.
Temos uma situação geopolítica internacional que é complicadíssima, e eu acho que não devíamos estar a ter eleições
Encontra um responsável mais direto?
Encontro vários. Acho que o principal partido da oposição e o principal partido do Governo são os principais responsáveis. Eles queriam eleições, eu percebo o ponto de vista de cada um para puxar estas eleições, mas eu começaria por dizer isso.
Esperemos que as nossas empresas, as nossas organizações, no futuro, não tenham que lidar com tanta incerteza, porque estava a correr bem. O Governo estava a fazer um bom trabalho, melhor numas áreas do que noutras. Tem ministros que eu diria que são muito competentes e fiquei muito impressionado porque, no momento em que as coisas estão a correr bem, nós provocamos estas eleições.
Tem sido uma campanha muito focada por temas que não deviam ser temas. Todas estas questões da empresa do primeiro-ministro. Por exemplo, esta semana tivemos o debate entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro e, em 75 minutos de debate, não houve uma palavra sobre a situação internacional. Como se Portugal não fizesse parte deste mundo, como se a situação geopolítica que estamos aqui a discutir, a situação na Europa, a Rússia, nada disso influenciou a discussão. Acho isso impensável nos dias que correm.
Há um conjunto de temas que tendem a não estar presentes nas campanhas, temas absolutamente centrais da nossa vida e do nosso futuro, e não pode ser assim.
Mesmo a Defesa tem sido uma discussão quase forçada, mas não por iniciativa de nenhum dos protagonistas políticos.
Sim. Curiosamente, estamos a preparar uma grande discussão sobre a economia da defesa, na Nova SBE, falta-nos um grande debate sobre este tema, a reindustrialização da Europa, a política energética, o futuro da Europa.
O que está agora a ser discutido, está todos os dias nas notícias, é o futuro da Europa. Tínhamos um amigo em quem confiávamos, os Estados Unidos da América. Agora não sabemos bem se podemos confiar no nosso amigo, acho que não podemos. Vivemos numa situação muito complicada e isto não está a ser discutido por ninguém.
Antes de falarmos desse amigo... O Governo já confirmou a Bruxelas o aumento do investimento em Defesa, uma decisão contestada por alguns partidos de esquerda, que não consideram sequer que possa contribuir para o crescimento. Isto é falta de literacia económica ou a informação sobre esse investimento não está a ser devidamente explicada?
Se estivéssemos a ter esta conversa há 10 anos, eu também seria muito a favor sobre não estar a investir muito na Defesa. Mas o mundo mudou e nós fomos apanhados desprevenidos. Percebemos que a Europa, durante muito tempo, descurou a sua Defesa.
De alguma forma, também por trauma de tudo o que a Europa passou. Há 10 anos, como dizia, era impensável ponderar o rearmamento da Alemanha. Que é uma coisa que hoje está no centro da discussão da defesa. Ou pensar que teríamos uma guerra na Europa.
É isso que me leva a pensar que hoje é absolutamente inevitável ter esta conversa. Conheço muita gente em Portugal e por essa Europa fora que não queria ter esta conversa e agora já está convencida que tem que acontecer, porque temos que estar preparados. Qual é a alternativa?
Nós não queremos guerras, não há nenhuma dúvida sobre isso, mas as guerras podem ter algumas vantagens económicas. E não é só porque vamos fazer armamento, é porque vamos ter que repensar a reindustrialização da Europa, vamos ter que descobrir a vocação de cada país.
O mundo mudou e nós fomos apanhados desprevenidos. Percebemos que a Europa, durante muito tempo, descurou a sua Defesa
Qual é a vocação de Portugal?
Se essa agenda avançar, e parece-me inevitável, o que é que Portugal vai fazer? Vamos investir em tecnologia de ponta para fazer armamento, até já temos algumas empresas, como a Tekever, que se notabilizou pelos drones, por exemplo. Vamos fazer isso ou vamos fazer fardas, com impacto nos têxteis. Se calhar as fardas militares hoje já são tão sofisticadas que também é tecnologia de ponta. Ou vamos repensar toda a questão alimentar?
Esta discussão sobre qual é que é o papel de cada país é absolutamente inevitável e eu não consigo perceber a retórica de algumas pessoas que não querem. Não querem ter esta discussão, não querem investir na Defesa. A caminho aqui do estúdio ouvi na rádio um dos líderes de um dos partidos da esquerda dizer exatamente isso, mas alguns destes líderes partidários têm tantas afinidades com a Rússia que isso não é para eles um problema. Mas para mantermos a independência de Portugal e da Europa, a soberania da Europa, essa agenda é absolutamente inevitável.
Olhando agora para os programas eleitorais. Do que já viu, qual é que lhe parece ser a melhor proposta fiscal?
Sempre fui muito contra os impostos sobre o trabalho, acho que são tiros no pé, nesse sentido a proposta da AD, que propõe precisamente uma redução dos impostos sobre o trabalho, talvez seja aquela com que eu melhor me identifico.
E quais são as melhores respostas à crise na habitação?
Sou bastante próximo de alguns ministros, como Miguel Pinto Luz, tem sido um excelente ministro, e tenho aqui uma inclinação particular para apoiar todo o trabalho que já estava a ser feito e espero que esse programa possa continuar a ser executado: a ideia de provocar um choque de oferta da habitação pública, privada e cooperativa, flexibilizar as limitações da ocupação dos solos, aumentar eventualmente as densidades urbanísticas.
Qual é o programa mais coerente em sua opinião?
O programa da Iniciativa Liberal é bastante coerente, não quer dizer que eu goste de tudo o que lá está. Mas, modernizar o Estado, recuperar a confiança das instituições, romper com a estagnação económica, é muito coerente com aquilo que a Iniciativa Liberal passa a vida a apregoar.
Há muitos partidos que não têm sequer a preocupação de fazer contas, atiram coisas para o ar e depois logo se vê
E é exequível?
Talvez não. Em todos os programas se notam algumas incoerências, há temas que deviam estar e não estão, há muitos que não são exequíveis, o programa do Chega, por exemplo, faria disparar a dívida pública, não sei se alguém no partido fez as contas. Aliás, há muitos partidos que não têm sequer a preocupação de fazer contas, atiram coisas para o ar e depois logo se vê, até porque, como não estão no governo, isso não chega a ser nunca um problema, mas há medidas que se fossem quantificadas, sabemos hoje que aumentariam muito o endividamento público.
Encontrou medidas criativas?
Como estou ligado a uma universidade, vi algumas medidas sobre investimentos em inteligência artificial, no programa da AD e também no programa do PS, que eu acho que deviam ser estratégicos para Portugal. A AD fala, por exemplo, num AI Factory, num centro ibérico também de inteligência artificial, salvo erro, essas são medidas muito importantes, nem sei se são criativas, mas são medidas absolutamente essenciais.
Fiquei muito surpreendido por não ver muito sobre o financiamento do ensino superior, pelo menos nos dois principais partidos. Em Portugal as universidades continuam com as propinas congeladas, desde a pandemia, este governo tinha dito que as ia descongelar e até à data ainda não aconteceu. O Partido Socialista também é bastante ambíguo sobre este tema. Isto hoje começa a ser uma preocupação para muitas escolas e estamos a correr o risco de asfixiar o ensino superior.
Nós conseguimos nos últimos anos tornar Portugal um destino para estudar. Escolas como a minha recebem milhares de alunos de todo o mundo, no nosso caso de mais de 92 países, no total do campo são cerca de 50% de alunos estrangeiros, e isto é uma boa notícia, porque os países que normalmente eram destinos para estudar são países com quem nós gostamos de nos comparar, da Holanda aos Estados Unidos, da França a Inglaterra. Mas somos uma escola pública, que não pode ter retrocessos, e algumas destas políticas de financiamento do ensino superior são absolutamente críticas.
Na perspetiva dos alunos, esta questão das propinas é sobretudo um problema para os alunos portugueses?
Não devia ser, no ano passado investimos 3,1 milhões de euros em bolsas, nós cobramos propinas a quem as pode pagar. Acabámos de fechar agora no fim do mês as candidaturas ao nosso mestrado e este ano tivemos 5.859 candidaturas para cerca de 1.900 lugares, é muito difícil ser admitido nestes programas, mas se a pessoa for admitida, ninguém deixa de estudar na minha escola, por falta de dinheiro.
E como é que a Nova consegue isso, como é que financia essas bolsas?
Temos múltiplas fontes de financiamento, desde logo a nossa formação de executivos, mas também pelas propinas que conseguimos cobrar a quem pode pagar.
Quem é que são normalmente os maiores beneficiários das bolsas? São mais de 80% portugueses e depois italianos, alguns alunos da América do Sul. Nós não discriminamos em relação à nacionalidade, apenas em relação ao rendimento, às vezes chamamos-lhe Robin dos Bosques, no fundo é cobrar a quem pode para depois poder distribuir por quem não consegue.
E o descongelamento de propinas, como é que defende que deve ser feito? Com que orientação?
Ao nível dos mestrados em Portugal, as escolas tinham a capacidade de definir as suas próprias propinas, as universidades têm os seus órgãos para aprovar estas coisas. O que aconteceu foi que durante a pandemia esta capacidade foi retirada. Eu apenas defendo que o governo deve voltar a deixar as universidades fazer em relação às propinas aquilo que elas quiserem.
Isto é em relação às propinas de mestrado. Fala-se da licenciatura ser tendencialmente gratuita, e eu concordo com isso, desde que não signifique asfixiar as universidades, ou seja, para reduzirmos as propinas na licenciatura temos que aumentar a receita de outros sítios, se nos deixarem fazer isso nos mestrados, tudo bem.
A nível fiscal, as grandes empresas pedem menos custos e menos impostos sobre o trabalho, as confederações patronais insistem no corte do IRC para 17%, este aliás foi um dos braços de ferro entre o Governo e o PS no último Orçamento do Estado. Deve acelerar o alívio fiscal às empresas, como defende a Iniciativa Liberal?
Acho que sim e, em particular perante esta incerteza económica global em que estão tantas coisas em jogo, um alívio da carga fiscal seria obviamente bastante positivo para as empresas. Também vemos isso no programa da AD, que prevê uma descida transversal gradual do IRC até 17%, essa é uma boa medida. Outra grande preocupação é pensar na classe média.
Celebrámos novamente o Dia do Trabalhador com salários baixos. Segundo um estudo recente da Nova SBE, 900 mil trabalhadores em Portugal vivem em pobreza absoluta. Há um problema ainda de distribuição de riqueza no país?
Há, mas mais do que isso há um problema de geração de riqueza no país, nós só conseguimos distribuir aquilo que produzirmos. A questão dos salários, nós vemos isso a todos os níveis, os nossos alunos do ensino superior procuram emprego imediatamente fora de Portugal e eles saírem de Portugal não é mau, o que nos preocupa é que não vemos muitas perspetivas de voltarem. Se não resolvemos a questão dos salários, o futuro de Portugal está comprometido.
Medidas como reduções fiscais para evitar estas saídas resolvem o problema?
Não, não acho que resolvam, ajudam, mas não acho que resolvam.
Falamos sempre que temos um problema de produção, de competitividade, há anos que a economia portuguesa discute isso, onde é que continuamos a falhar?
É uma excelente pergunta e para a qual continuamos a não ter uma boa resposta. A produtividade em Portugal é um paradoxo porque ela não tem aumentado. Portugal mudou imenso, nós falamos muito sobre a importância da educação. O capital humano em 2025 em Portugal é completamente diferente do que era há 10 e há 15 anos e isso não se vê nas medidas da produtividade, que não dispara.
A Dinamarca é um país com metade da população portuguesa e com algumas das maiores empresas do mundo em vários setores. Não é o tamanho, obviamente, que nos impede de ser produtivos, há aqui outras razões que temos que continuar a estudar para perceber porque é que não saímos deste paradoxo e desta impossibilidade de aumentar a produtividade.
O FMI reviu em baixa o crescimento para Portugal, para 2% este ano, mantendo ainda assim a previsão de excedente orçamental. Acha que o país vai conseguir aguentar estas contas positivas nos próximos anos ou vai regressar aos défices?
Apesar de tudo, estou bastante otimista em relação ao futuro próximo de Portugal, obviamente a instabilidade política não ajuda, mas sou otimista.
Um novo governo sem maioria, que é o cenário que podemos ter pela frente depois destas eleições, um governo instável, terá um custo real para a economia portuguesa?
Depende muito da natureza da minoria. Se for possível haver entendimentos que nos permitam tomar decisões, sim, se ficarmos mais uma vez incapacitados de tomar decisões e de fazer mudanças mais estruturais, claro que isso é muito prejudicial para Portugal.
Donald Trump concluiu os primeiros 100 dias de governação do segundo mandato. Já acabou o período de lua de mel, como escreve esta semana o Financial Times?
Parece que sim, as pessoas começam a despertar. Eu vivi muitos anos nos Estados Unidos, esta situação tem sido muito perturbadora, não esperava que fosse possível naquele país incrível, um presidente como Trump ser eleito.
Tenho visto com preocupação a ausência de respostas e de resistência numa fase inicial, por exemplo, da academia, que ficou imediatamente debaixo de fogo, com cortes brutais de financiamento, mas achei que a resistência iria começar mais cedo e demorou muito tempo. Agora vemos alguma resistência, por exemplo, da Universidade de Harvard, que vale o que vale, porque sendo a universidade mais rica dos Estados Unidos e porventura do mundo, tem uma capacidade de resistir que outros não têm.
Qual é que acha que é o objetivo de Trump com os inquéritos enviados às universidades, inclusive à Nova?
Sob o ponto de vista maquiavélico, algumas das coisas que a administração Trump está a fazer foram bastante bem pensadas, eu discordo completamente, mas dou alguns exemplos que se calhar são menos conhecidos. Por exemplo, as escolas de negócio no mundo todo são acreditadas por várias agências de acreditação, a agência mais importante é a americana, há 13 mil escolas de economia e gestão de finanças no mundo, menos de mil têm esta acreditação, mas queriam ter, dá-nos um reconhecimento global que é muito importante.
A administração Trump percebeu que havia ali um mecanismo de influenciar, não apenas as escolas nos Estados Unidos, mas no mundo todo. Há aqui um objetivo de impor uma agenda e, às vezes, os métodos são inaceitáveis.
Os cortes de financiamento fazem algum sentido, porque até podemos discutir, acho perfeitamente legítimo, se algumas escolas estão a ser demasiado tolerantes em relação ao antissemitismo, por exemplo. Também acho que se calhar tem havido alguma tolerância com algumas práticas do lado da academia americana. Dito isto, como é que se justifica cortes na investigação médica? Qual é a relação?
Há várias teorias sobre a política económica de Trump. Identifica alguma estratégia clara, ele está a instalar de facto no país uma oligarquia, uma democracia autoritária? Como é que classifica o sistema político-económico dos Estados Unidos?
Trump é um comerciante, é um construtor civil que usa práticas que são muito parecidas e que são pouco éticas, mas não tem clientes repetidos, tem práticas para discutir os preços com o fornecedor que são pouco éticas, mas aquele fornecedor nunca mais lhe vai aparecer à frente na vida. Portanto, isso para ele nunca foi um problema. Agora o vizinho mexicano e o canadiano vão lá estar sempre.
Acho que esta credibilidade que os Estados Unidos sempre tiveram sobre os amigos e até os menos amigos... Era um país credível! Hoje não é, porque Trump é a pessoa mais instável que nós todos já conhecemos na vida e é o presidente da maior economia do mundo. Este modus operandi não pode resultar, não pode resultar.
E isto não está a abrir espaço à China, que até já formou alianças com os vizinhos asiáticos? E ao cortar apoios, ajudas humanitárias e outras medidas para além das tarifas, os Estados Unidos estão a demitir-se do papel que tinham a nível mundial e a dar lugar a que outros ocupem esse espaço.
Sem dúvida e isso é muito preocupante. Os Estados Unidos tinham uma influência no mundo que vinha de muitos fatores, mas por exemplo o que referiu, as ajudas humanitárias, tenho a certeza que muitos destes processos de distribuição de financiamento à ajuda humanitária eram ineficientes, não há qualquer dúvida sobre isso. Agora, quando se fecha tudo, quando se encerra tudo cegamente, obviamente vai-se perder imensa influência em determinados países de África, que já se sentiam abandonados e que agora obviamente se calhar vão-se virar para outros parceiros. Aliás, a China já tinha tanta influência, a Rússia já tinha tanta influência em África, que estamos a perder uma parte de África para esses dois blocos.
Além da instabilidade, pode surgir aqui uma nova ameaça a nível global, com outras alianças geoestratégicas e potências?
Sem dúvida. O facto da maior economia do mundo, que era um parceiro estável, confiável da Europa, e membro da Nato, deixar de ser confiável cria-nos aqui uma situação em que a China e a Rússia, independentemente do que lhe vier a acontecer no curto prazo, ganham uma preponderância global que não tinham. E isso é muito preocupante, porque de repente a China já parece... não é uma democracia, mas já é aceitável. Isso é absolutamente impensável.
O risco de recessão mundial está dependente do recuo de Donald Trump?
O recuo ou o avanço de Donald Trump pode ajudar, sim, obviamente toda esta política de tarifas vai acelerar, mas lá está, como tem havido tantos avanços e recursos, já alguém acredita? Alguém consegue levar a palavra dele sobre tarifas a sério, quando diz uma coisa e o seu contrário poucas horas depois? Não sei se é evitável (a recessão), independentemente do que ele disser, porque a instabilidade é total, a incerteza é total.