Todos os partidos com assento parlamentar, candidatos às eleições legislativas de 18 de maio, defendem nos programas eleitorais um aumento de financiamento para a Cultura, e as propostas incidem sobretudo em património, apoio às artes e revisão no setor livreiro.
Metas orçamentais para a Cultura
Em relação a metas de financiamento para a Cultura, a AD-Coligação PSD/CDS quer atingir em 2028 um valor no Orçamento do Estado (OE) superior em 50% face a 2024.
Segundo a proposta de Orçamento do Estado para 2025, do Governo AD, "o Programa Orçamental da Cultura evidencia, no orçamento para 2025, uma dotação de despesa total consolidada de 597,3 milhões de euros", estando prevista "uma despesa efetiva consolidada de 593,1 milhões de euros".
No quadro da despesa total consolidada de cada programa orçamental, a área da Cultura prevê ainda 207,3 milhões de euros, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Em 2024, a despesa efetiva da Cultura em 2024 foi de 450,9 milhões de euros, segundo os mapas que acompanharam o relatório da proposta para 2025.
Os partidos Livre e Bloco de Esquerda (BE) defendem 1% do Produto Interno Bruto (PIB) para a Cultura, enquanto o Pessoas-Animais-Natureza (PAN) aponta 1% efetivo do OE.
A CDU (coligação entre o PCP e o Partido Ecologista Os Verdes) fala numa dotação do Ministério da Cultura a representar 1% do OE, "inserida no objetivo de alcançar progressivamente 1% do PIB".
A concretização de 1% do PIB para a Cultura situaria as transferências para o setor em cerca de 2,64 mil milhões de euros, tomando como referência o valor gerado, por todos os bens e serviços, em 2024 (cerca de 264 mil milhões de euros, a preços correntes).
Tomando por referência a despesa efetiva da administração pública em 2024, que foi de 93,1 mil milhões de euros, excluindo ativos e passivos financeiros, 1% do OE para a Cultura, situar-se-ia em redor dos 931 milhões de euros de despesa disponível a repartir pelos organismos tutelados.
Sem indicar valores, o PS fala em "continuar a reforçar a dotação do setor", enquanto o Chega refere genericamente um financiamento "de forma sustentável e justa".
A Iniciativa Liberal (IL) não faz qualquer menção a esse respeito, defendendo uma política cultural que "estimule o investimento privado na cultura".
Património Cultural
O programa eleitoral da CDU prevê a realização de um Programa Nacional de Emergência do Património Cultural, assim como o impedimento da alienação e concessão de bens patrimoniais do Estado, nomeadamente de património classificado.
Entre as propostas da CDU nesta área inclui-se também o alargamento do regime de gratuitidade de acesso a Museus, Palácios, Monumentos e Sítios Arqueológicos.
O Chega apresenta como uma das prioridades a proteção e dinamização do património material e imaterial, nomeadamente o património histórico, arquitetónico e arqueológico, assim como as tradições populares.
Entre as várias propostas do partido nesta área contam-se o reforço das medidas de salvaguarda do património e a implementação de um Programa Nacional de Recuperação do Património, entre monumentos, igrejas históricas, museus e património classificado em risco. O Chega quer também criar o Museu dos Descobrimentos e o Museu Nacional da Arte Sacra.
A visão da IL nesta área passa pela criação de um novo modelo "que liberte a gestão do Património do excessivo peso do Estado Central".
Embora saliente os "avanços recentes" com a criação da empresa pública Museus e Monumentos de Portugal e do instituto público Património Cultural, realizada no XXIII Governo (PS), "muito está ainda por concretizar e alcançar em matéria de autonomia das instituições culturais".
A salvaguarda, conservação e reabilitação do património cultural está também entre as metas da coligação PSD/CDS-PP, que se compromete a continuar a reforçar as medidas de salvaguarda do património e a elaborar um plano de inventariação e reabilitação de edifícios com maior valor cultural.
O PS quer lançar um programa de investimento público "de grande envergadura" na recuperação do património cultural no pós-Plano de Recuperação e Resiliência.
Reforçar os quadros da Administração Pública, em particular na área da Arqueologia, e regulamentar o perfil profissional dos conservadores-restauradores são duas outras propostas dos socialistas na área do Património.
No programa eleitoral do Livre lê-se que o partido quer "descolonizar a Cultura" e criar "Museus Narrativos" que, entre outros aspetos, "incentivem a criação de redes de percursos e roteiros temáticos sobre períodos menos investigados ou menos conhecidos".
"Efetivar a aplicação da Lei da Autonomia e Monumentos" é o que defende o BE.
Livro, Leitura e Bibliotecas
O Chega quer alterar o decreto-lei que fixa o Regime do Preço Fixo do Livro, "tornando a lei menos restritiva da liberdade das livrarias". Já a IL pretende revogar esta lei e liberalizar o mercado livreiro.
A AD-Coligação PSD/CDS compromete-se a "proporcionar o contacto da comunidade escolar com escritores nacionais".
Entre as várias propostas para esta área, a CDU tem a criação de um programa de apoio às pequenas livrarias e editoras independentes e a reformulação e reforço do Programa Bolsas de Criação Literária.
O PS quer reformular o Plano Nacional de Leitura (PNL), apoiar as pequenas editoras independentes e ter "medidas de conservação" de pequenas livrarias e apoios "em áreas periféricas".
O Livre aponta para uma reestruturação da Direção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas. Também quer rever o PNL e aumentar o valor do cheque-livro até ao final da legislatura.
"Criar a Biblioteca Nacional Eduardo Lourenço, uma grande biblioteca pública de dimensão europeia e internacional" é outra proposta do Livre.
O BE coincide com o Chega na intenção de rever a Lei do Preço Fixo do Livro, mas também quer um reforço de meios na Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, da Rede Nacional de Bibliotecas Escolares e das bibliotecas de investigação.
O PAN defende o apoio a editoras e entidades do setor livreiro, "com vista a incentivar a reutilização de livros (evitando a sua destruição) e a apostar na transição digital ('e-book' ou 'audio').
Trabalho
O Estatuto dos Profissionais da Cultura, um enquadramento legal para os trabalhadores independentes do setor, que está em vigor desde 2022, surge nos programas eleitorais de quase todos os partidos.
A CDU pede "mecanismos eficazes de acesso às prestações sociais e a uma carreira contributiva estável para os trabalhadores" e quer que os contratos de trabalho sejam um "elemento fundamental" para a atribuição de apoios públicos.
O PS quer avaliar o Estatuto e "aumentar a exigência de celebração de contratos de trabalho pelas entidades apoiadas pelo Estado".
Entre várias medidas apresentadas, o Livre, o Chega, o PAN e o BE querem rever o Estatuto, seja com a justificação de o adequar "à realidade do setor" (Livre), seja para combater a precariedade (BE), seja "para garantir proteção social efetiva a trabalhadores intermitentes" (Chega).
O PAN acrescenta a criação do Estatuto do Alto Rendimento Artístico, enquanto a CDU defende "a contratação coletiva e o trabalho com direitos" e "a participação dos trabalhadores da Cultura na definição das políticas setoriais".
Os programas da IL e da AD não têm referências às condições de trabalho no setor.
Apoios às Artes
O PS quer "criar um mecanismo corretivo para que os apoios tenham expressão em todo o território" e o BE inscreve um "aumento significativo e diversificação do financiamento à criação artística".
Uma "Plataforma de Circulação Nacional" para jovens artistas e uma rede de "Casas da Criação" são duas outras propostas do PS.
Os socialistas querem ainda que espaços devolutos, "não elegíveis para habitação", sejam cedidos de forma gratuita a criadores e estruturas culturais "como espaços de trabalho, ensaio e armazenamento".
O PAN vai no mesmo sentido, de "disponibilização de edifícios e espaços públicos subutilizados ou abandonados para residências artísticas", e defende ainda a criação de um imposto "sobre as grandes plataformas digitais" para financiamento de projetos culturais nacionais.
O Livre pretende "estabilizar a relação entre a lei vigente, os prazos apontados por esta, a declaração anual da Direção-Geral das Artes, as regulamentações em falta e a abertura dos respetivos concursos".
A CDU quer reformular o modelo de atribuição de apoio às artes, garantir a atualização anual das verbas contratadas nos concursos plurianuais, mas também adequar os calendários dos concursos à realidade das várias formas de expressão artística, "cumprindo-os".
Já a AD-Coligação PSD/CDS pretende criar um programa nacional de apoio a estruturas de programação, residência, incubação e de criação artística independentes e rever o regime de apoio às orquestras regionais.
A IL quer diversificar o financiamento e descentralizar a decisão e a produção no apoio às artes, envolvendo autarquias e instituições culturais e reforçar parcerias público-privadas na promoção internacional de autores e criadores nacionais, envolvendo a comunidade e as empresas.
O Chega sugere apoiar financeiramente "projetos culturais nacionais relevantes para a promoção da identidade e cultura portuguesas", e criar um programa "específico de apoio direto às bandas filarmónicas e ranchos folclóricos".
Cinema e Audiovisual
O BE defende a criação de uma entidade pública de distribuição de cinema para combater "o monopólio" de grandes empresas do setor, e defende novas obrigações para operadoras e distribuidoras, incluindo "quotas para a produção musical e audiovisual portuguesa independente".
Também o Livre fala na criação de uma quota anual de cinema português nos cinemas e o PAN propõe um grupo de trabalho para definir metas e aumentar a quota de mercado do cinema português para 10% até 2028 e 15% até 2030.
O PS defende "mecanismos eficazes" dentro do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), para "distribuir e mostrar internamente o cinema produzido em Portugal".
Segundo o ICA, os filmes de produção portuguesa tiveram, no primeiro trimestre deste ano, 17.265 espectadores e 68.230 euros de receita, o que representa uma quota de mercado de apenas 0,7% e 0,4%, respetivamente.
O Chega pretende "melhorar a distribuição do cinema nacional", "apoiar coproduções internacionais que tragam investimento e visibilidade" e "reforçar o financiamento público ao cinema nacional". Além disso, o partido quer criar o núcleo museológico da Cinemateca Portuguesa.
Aquela entidade é também referida no programa da CDU, que quer "valorizar o cinema português, salvaguardando o caráter integralmente público da Cinemateca, reforçando os meios financeiros e humanos do ICA e promovendo o apoio à criação e distribuição cinematográfica nacional e não comercial".
Já a coligação PSD/CDS-PP pretende implementar o Plano Estratégico do Cinema e do Audiovisual, atualmente em consulta pública. Pretensão semelhante tem o Chega, que quer "desenvolver e implementar um Plano Estratégico para o Cinema e Audiovisual".
A IL não tem propostas especificas para esta área.
Inclusão e Acessibilidade
No seu programa eleitoral, o Livre defende genericamente um setor artístico e cultural "verdadeiramente acessível a pessoas com deficiência ou com necessidades específicas, na fruição e na prática profissional".
O BE propõe um plano para dar visibilidade a "manifestações culturais de comunidades minoritárias" e apoio "à interpretação em língua gestual portuguesa nos espetáculos ao vivo e à produção de versões em braille ou em áudio dos materiais impressos".
A AD-Coligação PSD/CDS pretende, caso volte a formar Governo, "prosseguir o trabalho já desenvolvido na promoção da diversificação e a inclusão dos públicos", para garantir o acesso à cultura "especialmente aos mais vulneráveis e desfavorecidos".
Mecenato
A AD-Coligação PSD/CDS pretende reformular o regime legal do mecenato, "criando um regime atrativo, mobilizador, baseado na liberdade da iniciativa cultural".
Posição semelhante tem a IL que propõe a revisão "profunda" daquele regime, "centrada na criação de um Estatuto do Mecenato Cultural autónomo, separado do atual Estatuto dos Benefícios Fiscais, com regras próprias".
Já o Chega fala em "atualizar" a lei em vigor, "por forma a incentivar diretamente o financiamento privado das artes".
Tal como em programas eleitorais anteriores, o PS inscreveu a intenção de "avançar com um novo estatuto de mecenato cultural" e o Livre faz uma breve referência para que seja "concretizada a Lei do Mecenato".
Os programas da CDU, do BE e do PAN não fazem qualquer referência ao mecenato.
Direitos de Autor
Em matéria de direitos de autor, o BE escreveu, de forma genérica, que defende a "promoção da organização coletiva dos direitos dos autores, artistas e intérpretes, sem prejuízo da decisão individual sobre a disponibilização das suas obras".
A AD-Coligação PSD/CDS propõe-se "estudar a equiparação dos direitos autorais sobre as partituras musicais aos direitos autorais dos livros".
A IL defende "a eliminação de todas as isenções à taxa da cópia privada", taxa que o partido classifica como "iníqua e injusta".
A CDU refere no seu programa a "defesa do respeito pelos direitos de autor em ambiente ou suporte digital".