“O mercado de capitais português vai funcionando com resiliência” – ECO

Integra a VdA desde 1989. Sócio Responsável pela área de Bancário & Financeiro, Pedro Cassiano Santos fala à Advocatus sobre o mercado de capitais e investimento estrangeiro em Portugal.

Pedro Cassiano Santos integra a VdA desde 1989. Sócio Responsável pela área de Bancário & Financeiro, assume a responsabilidade global pelos clientes e transações do escritório no setor financeiro. Presta regularmente assessoria jurídica em operações bancárias e de mercado de capitais e em matérias regulatórias, bem como em operações de financiamento sindicado, incluindo a emissão e colocação (nacional e e internacional) de instrumentos de dívida, híbridos e de capital, warrants, produtos financeiros derivados e sintéticos. Trabalha também ativamente em operações de securitização e outros tipos de operações asset-backed, bem como na preparação de operações de financiamento estruturado. Pedro Cassiano Santos fala à Advocatus sobre o mercado de capitais e investimento estrangeiro em Portugal.

Como descreve/avalia o mercado de capitais português, atualmente?

O mercado de capitais português vai funcionando com resiliência, continuando a oferecer soluções de financiamento ou de investimento para os respetivos stakeholders. Devemos manter sempre a consciência de que se trata de um mercado de dimensão mais reduzida e caráter periférico mas a verdade é que se mantém vivo, cumprindo aliás uma função de relevo para a economia nacional, até como vetor da nossa soberania. Tem havido estabilidade no tratamento fiscal dos produtos admitidos a mercado, o que já é um primeiro tema positivo e vai havendo alguma utilização do mercado em contextos de privatização ou recolocação em mercado de empresas detidas pelo Estado/poderes públicos, bem como colocação em mercado de dívida de entidades públicas mas poderíamos certamente fazer muito mais, como acontece em muitos dos nossos congéneres europeus.

Há uma expansão de fundos de investimento, incluindo fundos imobiliários (FIIs) e private equity?

Sim, vai havendo alguma utilização do mercado com novos conceitos (como os FIIs) ou fundos de capital de risco (por vezes com foco nos programas de golden visa, mas também fundos de outros tipos, por exemplo com foco mais tecnológico, de R&D), com acréscimo dos valores de ativos sobre gestão e entrada no mercado de novos operadores. Permanece, no entanto, um sentimento de que as coisas poderiam andar mais depressa, pois persiste alguma reserva mental, talvez ideologicamente fundada. Os fundos e outros organismos de investimento coletivo portugueses têm sempre uma montanha mais íngreme para subir, não apenas porque nascem de um mercado mais pequeno e periférico, mas também porque parece haver um rótulo que lhes impõe maior exigência, nem sempre com muito sentido ou racionalidade. Também neste domínio, a resiliência será certamente uma das palavras de ordem.

E há maior regulação e transparência, com a CMVM a desempenhar um papel ativo na fiscalização?

Sempre tivemos um papel ativo e exigente na fiscalização (designadamente na fiscalização dos emitentes) por parte da CMVM, a que se juntou em anos mais recentes uma regulação bastante detalhada, com supervisão sempre presente, também ao nível dos intermediários financeiros, das respetivos condutas e formas de funcionamento. Não há falta de regulação ou transparência nos mercados de capitais em Portugal (também será mais fácil que assim seja dada a exiguidade do mercado), sendo a regulação e legislação portuguesas obviamente muito influenciadas a nível europeu, não apenas ao nível dos textos vigentes, mas também das próprias recomendações dimanadas das estruturas europeias centrais (e até mundiais, como ocorre por exemplo ao nível contabilístico com a implementação dos acordos de Basileia).

É bastante presente a utilização da chamada “soft law”, composta usualmente por recomendações e divulgação de conjuntos de boas praticas ou códigos de conduta, que vão sendo divulgadas para que os operadores de mercado se vão alinhando com novas exigências do funcionamento dos mercados e Portugal (e o seu regime de supervisão/regulação) não destoa de forma nenhuma perante os nossos congéneres europeus.

Os fundos e outros organismos de investimento coletivo portugueses têm sempre uma montanha mais íngreme para subir, não apenas porque nascem de um mercado mais pequeno e periférico, mas também porque parece haver um rótulo que lhes impõe maior exigência, nem sempre com muito sentido ou racionalidade”

A CMVM tem trabalhado para tornar o ambiente mais seguro e atrativo mais para empresas locais ou mais para investidores internacionais?

Diria que o ambiente de funcionamento do nosso mercado é robusto e seguro e tem funcionado enquanto tal ao longo dos últimos anos. Repare-se que mesmo em momentos críticos, o mercado de capitais português respondeu sempre afirmativamente, seja quando os bancos foram recapitalizados (2012) ou mesmo resolvidos (2014/2015), mantendo também um funcionamento regular aquando da crise das dívidas soberanas (2012) e até quando ocorreram situações absolutamente críticas como a insolvência Lehman Bros. (2008) ou durante a pandemia (2020/2022). Talvez por aí se veja também a tal resiliência de que falávamos…

Em relação ao papel da CMVM e seu contributo para atrair mais investidores internacionais e emitentes diria que sim, existe esse desiderato e vai sendo dado um contributo relevante nesse sendo, mas o caminho tem sido trilhado forma talvez um pouco tímida e menos visível.

Destacaria nessa matéria também o papel que a Euronext tem desempenhado, de forma também visível e consistente, sabendo que essa é por definição uma missão que incumbe afinal a todos os operadores de mercado.

Todos temos de fazer a nossa parte e certamente que todos poderíamos fazer muito mais e melhor para que o mercado de capitais português fosse mais atrativo, tanto para quem emite ou pretende emitir, como para quem investe ou pretende investir. Também aí haverá certamente que fazer mais e melhor pela promoção da literacia financeira, porfiando e insistindo, sabendo que os resultados desse esforço podem demorar algum tempo a surgir.

Quais são os principais desafios para as empresas que desejam investir capital em Portugal?

O principal desafio que investidores estrangeiros interessados em investir em “papel” português corresponderá necessariamente a lidar com os temas de liquidez dos valores em que pretendem investir/investem, já que num mercado de menor dimensão a liquidez dos títulos é sempre difícil de assegurar.

A reduzida dimensão do nosso mercado coloca além disso também um desafio importante para quem quer investir em valores mobiliários portugueses, pois toda a análise de contexto (incluindo os riscos próprios do país Portugal, sua infraestrutura e regime de funcionamento e, acima disso o regime fiscal dos valores emitidos em Portugal e o tratamento dos respetivos rendimentos) tem que ser feita para permitir que os investimentos possam aqui ser realizados, sabendo-se que à escala internacional esses investimentos têm sempre dimensão relativamente reduzida, quando comparados com possibilidades de investimento existentes em jurisdições e mercados muito maiores (a comparação com o mercado espanhol será certamente eloquente).

O principal desafio que investidores estrangeiros interessados em investir em “papel” português corresponderá necessariamente a lidar com os temas de liquidez dos valores em que pretendem investir/investem, já que num mercado de menor dimensão a liquidez dos títulos é sempre difícil de assegurar”

Como Portugal tem atraído investidores estrangeiros no mercado de capitais?

Portugal não tem feito tudo o que pode e deve fazer neste domínio. Há boas iniciativas e esforços de muita gente/instituições, mas precisamos de fazer muito mais, ser consistentes na nossa atuação, promover a literacia financeira de todos (incluindo dos decisores políticos e também dos jornalistas, para além da própria população).

O que teremos sempre que fazer é assegurar um ambiente estável, tanto ao nível legislativo e regulatório, como fiscal, para além de promovermos e incentivarmos o bom funcionamento de todas as nossas estruturas de mercado (começando pelos supervisores e reguladores e incluindo também os intermediários financeiros, mas também os bancos, gestores de patrimónios e consultores financeiros, os auditores, os advogados, os jornalistas e os média, a própria bolsa e a central de valores mobiliários, etc.), fazendo com que cada um cumpra a sua função, mesmo em momentos de maior pressão e o mercado como um todo vá sempre funcionando.

Temos neste momento alguns relevantes stakeholders dos mercados financeiros e de capitais que transferiam partes significativas da respetiva atividade para Portugal (tanto em Lisboa como no Porto há relevantes centros operacionais onde estão domiciliados os serviços de bancos de dimensão internacional e da própria bolsa de valores com atividade em cerca de metade da Europa), reconhecendo dessa forma a qualidade das nossas pessoas (sabendo-se que em geral é mais barato contratar em Portugal do que em Paris, Frankfurt ou mesmo Madrid, como também será mais barato funcionar em Portugal do que nos nossos congéneres) o que certamente significa que temos qualidade e podemos oferecer bons níveis de serviço em toda a linha.

É, no entanto, verdade que o setor continua a merecer relativamente pouca atenção por parte dos decisores políticos, havendo muito preconceito contra esta vertente da economia, mesmo que toda a gente saiba que é vital atrair capitais estrangeiros para financiar as empresas portuguesas, até porque capital é coisa que afinal não abunda em Portugal.

Temos por isso que continuar a implementar boas práticas, apostar na continuidade e regularidade de funcionamento e assegurar estabilidade jurídica e fiscal para que os investidores possam confiar-nos os seus investimento, talvez aprender a “vender” melhor os nossos serviços e a infraestrutura portuguesa do mercado de capitais, como aparentemente estamos a fazer no setor do turismo e nalguns outros nichos de mercado.

Quais são as tendências para o futuro do mercado de capitais em Portugal?

Não acredito que haja uma subida em flexa na utilização do mercado, sabendo que alguns segmentos serão sempre mais dinâmicos do que outros (os mercados de dívida e também os organismos de investimento coletivo terão sempre tendência a serem mais utilizados do que os mercados de equity, embora haja na calha algumas boas operações neste segmento que estão já anunciadas e podem naturalmente trazer mais animação) mas mantenho confiança na qualidade das nossas pessoas e das infraestruturas necessárias ao funcionamento dos mercados, pelo que também não antecipo que haja uma queda abrupta ou desinteresse pelo nosso mercado.

A captação de investimentos em formato crowdfunding seguirá certamente uma tendência evolutiva crescente, mesmo que seja sempre importante que seja acompanhada da supervisão e regulação das entidades responsáveis pela respetiva introdução no mercado e gestão/funcionamento, devendo necessariamente ser acompanhada pelo acréscimo na literacia de quem investe, que está em curso mas ainda de forma um pouco embrionária”

Haverá um aumento de emissões sustentáveis, como green bonds e investimentos ESG (ambientais, sociais e de governança)?

Sim, necessariamente, mas é precisar avançar com calma e sempre em segurança, pois o que certamente queremos evitar são situações do chamado “green washing” ou seja situações que são apresentadas publicamente como sendo sustentáveis mas que afinal, vistas bem as coisas, não produzem resultados ambientais, sociais ou de boa governança de sentido positivo ou que aportem evoluções positivas para a nossa sociedade. Haverá certamente um aumento da exigência colocada nestes domínios para que sejam atrativos para quem investe e vai certamente valer a pena que os emitentes que pretendem aceder a capitais com rótulos ESG dediquem o devido tempo e façam devidamente o respetivo trabalho de casa.

Haverá uma maior participação de fintechs e crowdfunding regulado?

A evolução tecnológica é necessária e os mercados de capitais estão certamente na vanguarda da economia e na utilização de conceitos precursores, como é certamente o caso das ferramentas de inteligência artificial que vão sendo utilizadas com profusão e utilidade sempre crescentes. A captação de investimentos em formato crowdfunding seguirá certamente uma tendência evolutiva crescente, mesmo que seja sempre importante que seja acompanhada da supervisão e regulação das entidades responsáveis pela respetiva introdução no mercado e gestão/funcionamento, devendo necessariamente ser acompanhada pelo acréscimo na literacia de quem investe, que está em curso mas ainda de forma um pouco embrionária.

Tanto ao nível da maior utilização das fintech (neste caso talvez com maior ou mais visível incidência ao nível dos sistemas de pagamento do que propriamente nos investimentos efetuados através dos mercados de capitais) como dos fenómenos de crowdfunding, importa seguramente que quem investe ou utiliza os sistemas em causa se assegura de que dispõe da devida informação para realizar esses investimentos/efetuar pagamentos, havendo certamente muito caminho para progredir nesses âmbitos, aliás em Portugal como na generalidade dos demais países. Portugal não estará em nenhum destes domínios certamente muito atrasado em comparação com a situação vigente nos nossos congéneres europeus, pelo menos a julgar pelas informações que nos vão chegando sobre a prática efetiva dos mercados que nos são mais próximos.

Como os investidores estrangeiros podem operar no mercado português?

Bem, se souberem lidar com os inevitáveis temas de liquidez resultantes da escassa dimensão do nosso mercado e derem devida atenção aos temas próprios do contexto Português, antecipando e resolvendo as nossas limitações e sabendo beneficiar dos nossos méritos (a começar pelos méritos das nossas pessoas, que são muitos).