O assistente nacional da Pastoral Operária, padre Pedro Lima, está convicto de que o Papa Leão XIV vai produzir pensamento sobre a Inteligência Artificial (IA).
"Não será de surpreender que apareçam documentos do magistério da Igreja sobre esta temática", diz Pedro Lima em entrevista à Renascença e Agência Ecclesia.
O sacerdote entende que o Papa Leão XIV "já tem algo" a dizer sobre essa questão, mas a Igreja ainda precisa de amadurecer o seu pensamento sobre o assunto: "O magistério da Igreja ainda não está muito cimentado sobre a inteligência artificial e sobre os novos desafios, mas parece-me que este Papa já tem algo a dizer sobre isso."
Pedro Lima defende que “devem existir balizas, critérios, para sabermos como utilizar estes meios” e admite que a IA pode ajudar a acentuar as injustiças porque “ainda não está ao serviço de todos”.
"(Leão XIV) será um Papa da Doutrina Social da Igreja, um Papa dos trabalhadores, dos operários, um Papa que vai ao encontro da vida das pessoas"
O assistente nacional da Pastoral Operária não tem dúvidas de que Leão XIV “será um Papa dos trabalhadores e que irá ao encontro da vida das pessoas", apontando que ele já demonstrou “uma grande sensibilidade às questões da justiça e da dignidade”.
Neste dia em que se celebra na Praça de São Pedro a missa pelo início do Ministério do Novo Papa, o padre Pedro Lima refere que Leão XIV também é muito sensível à questão das migrações e da habitação.
Noutro plano, o responsável diz acreditar que o Papa vai conseguir cativar os mais jovens porque “já nos meteu a mexer, pela sua forma de ser, pelo seu estilo, pela sua mensagem".
"Faz-nos ir mais à frente", diz, acrescentando que “faz falta” à Igreja “um pouco este espírito juvenil, reivindicativo, até às vezes irreverente”.
Temos um novo Papa, Leão XIV, que na escolha do seu nome revela uma relação direta com Leão XIII e com a "Rerum Novarum". Como é que recebeu esta escolha?
Primeiro, penso que nos surpreendeu a todos a escolha do Papa, esta figura talvez pouco esperada, mas mais ainda pelo nome que ele adota, Leão XIV, que nos fez pensar imediatamente em Leão XIII, na encíclica "Rerum Novarum" e na Doutrina Social da Igreja. Portanto, a nossa expectativa, na Pastoral Operária, é a de que será um Papa da Doutrina Social da Igreja, um Papa dos trabalhadores, dos operários, um Papa que vai ao encontro da vida das pessoas, promovendo aquilo que ele já mencionou nas suas mensagens: a justiça, a dignidade.
"Espero que seja um Papa que consiga falar aos jovens, com linguagem própria dos jovens"
Várias das primeiras intervenções do pontificado têm lembrado novos desafios relacionados com o mundo do trabalho e também com a Inteligência Artificial (IA). A sociedade, e a Igreja em particular, estão devidamente despertas para esta realidade?
Ultimamente, sim. Nós temos vindo a refletir sobre esta realidade. Aliás, a Igreja não quer perder o comboio do mundo e o Papa, nos seus primeiros encontros com a comunicação social, manifestou essa preocupação. Nós hoje vivemos este tsunami de informação, às vezes com a falta da verdade, do conteúdo, do ser. E vemos que o Papa está preocupado com isso, não apenas com a forma, mas com o conteúdo, a interioridade.
Talvez seja este também um dos expoentes da teologia agostiniana - e o Papa é agostiniano - que é a verdade, que é o ser, que é a identidade ou a interioridade. A IA e todos estes desafios podem-nos fazer cair neste perigo de perdermos a nossa identidade e esta crise de identidade talvez seja aquilo que o mundo vive.
O Papa parece-me que vai neste sentido de procurarmos uma identidade, quem somos, a verdade. Na Pastoral Operária, olhando para o mundo, vemos grandes realidades que nos preocupam, como as migrações, e o Papa é sensível a esta questão. Outra situação também tem a ver com a habitação, com a procura de uma habitação digna, estável e, possivelmente, também teremos um Papa que é capaz de nos ajudar e de ajudar o mundo a pensar sobre isto.
"A inteligência artificial deve ser vista como um meio, como uma forma de auxílio, de ajuda, tendo em conta a necessidade da nossa humanidade"
Nesse sentido, projetando os próximos passos de Leão XIV, espera uma nova encíclica sobre o trabalho? Desse ponto de vista, entende que é necessário regulamentar, doutrinar sobre a inteligência artificial e a relação com o mundo do trabalho?
Sim. Após 90 anos da "Rerum Novarum", nós tivemos uma encíclica do Papa João Paulo II, a "Laborem Exercens" e desde aí houve muitas mudanças. O magistério da Igreja ainda não está muito cimentado sobre a inteligência artificial e sobre os novos desafios, mas parece-me que este Papa já tem algo a pensar sobre isso. Portanto, nada será de surpreender que nos apareçam documentos do magistério sobre esta temática.
A formação também pode ajudar, não é?
Sim, exatamente. Neste ano, também estamos a viver um período na Pastoral Operária de um grande desafio, os 100 anos da JOC (Juventude Operária Católica), que surgiu em 1925, na Bélgica, muito direcionada para os jovens. O Papa também falou aos jovens, no domingo, na sua mensagem, na Basílica de São Pedro, dizendo "não tenham medo". Nós vemos que os jovens sofrem de uma grande incerteza relativamente ao futuro, sobretudo a nível do trabalho, a nível habitacional. É cada vez mais difícil a emancipação e a mensagem do Papa é esta: não tenham medo. Ou seja, vamos encontrar caminhos de segurança, de estabilidade, de dignidade. Portanto, é um Papa que promete muito.
"A Doutrina Social da Igreja prevê o bem comum, a igual distribuição de bens. E a inteligência artificial ainda não está ao serviço de todos"
Acredita que as novas gerações, a quem o Papa se dirigiu nesse primeiro encontro dominical na Praça de São Pedro, se vão deixar cativar pela mensagem e também pela figura de Leão XIV?
Sim, sim, eu penso que sim. Em primeiro lugar, pelo seu estilo que, na continuidade do Papa Francisco, é um estilo humilde e simples, que é isto também que os jovens procuram. E, depois, também numa mensagem que lhes diga algo, que fale à vida concreta dos jovens, que lhes traga esta esperança de que não vamos baixar os braços. Estou agora a pensar numa imagem do Papa Francisco - um Papa cheio de imagens, de metáforas - que dizia que nós, às vezes, vivemos num espírito de parque de estacionamento, parados, estagnados. E este Papa já nos meteu a mexer. Pela sua forma de ser, pelo seu estilo, pela sua mensagem, faz-nos mexer, faz-nos ir mais à frente.
"Esta revolução é industrial, é digital, é tecnológica e a Igreja, como profética que é, tem de saber interpretar os sinais do tempo, mas à luz da mensagem de Deus, à luz da revelação"
Voltando ao tema que marcou o início da conversa, tendo em consideração o discurso do Papa aos cardeais, pouco depois de ser eleito, em que justifica a escolha do nome, do nome de Leão XIV. Na sua perspetiva, que desafios, riscos e problemas levantam as novas tecnologias? Estes temas, até com a referência à inteligência artificial, também vão marcar o pontificado?
A inteligência artificial levanta questões, por um lado, sobre o risco da procura da verdade e da confidencialidade e, por outro lado, também, sobre a necessidade do trabalho humano. Nós sabemos que a inteligência artificial não substitui a inteligência humana, aliás, a inteligência artificial deve ser vista como um meio, como uma forma de auxílio, de ajuda, tendo em conta a necessidade da nossa humanidade. Por outro lado, as primeiras palavras do Papa podem fazer-nos ver que a inteligência artificial, que é utilizada para um fim positivo, para ajudar a desenvolver a humanidade, também pode ser usada com um fim negativo. Basta pensarmos na guerra, nos ataques cibernéticos, nos ataques que podem existir devido a estes novos meios que são invisíveis e que são perigosos. Portanto, acho que devem existir balizas, critérios, para sabermos como utilizar estes novos meios.
E pode também aumentar as desigualdades, as injustiças...
Sim, sim, porque a inteligência artificial não está ao serviço de todos. A Doutrina Social da Igreja prevê o bem comum, a igual distribuição de bens. E a inteligência artificial ainda não está ao serviço de todos. Portanto, há sempre muito caminho em que temos de pensar e começar a balizar com critérios.
"Quando ouço que os jovens são o futuro, prefiro dizer que eles são o presente"
Voltando àquela intervenção do Papa em que fala da necessidade de promover a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho... Ele usa a expressão “outra revolução industrial”, algo que me parece fundamental. Já havia consciência do momento histórico que estamos a viver e do quanto isto vai ser olhado como um tempo de viragem?
Sim, exatamente. Leão XIII foi um Papa que conseguiu ler a realidade do seu tempo e escreveu no seu tempo, no contexto de uma revolução industrial. Parece-me que o Papa Leão XIV também está a fazer o mesmo, a ler o seu tempo. Esta revolução é industrial, é digital, é tecnológica e a Igreja, como profética que é, tem de saber interpretar os sinais do tempo, mas à luz da mensagem de Deus, à luz da revelação.
Neste caso, também até à luz da própria patrística e do ensinamento dos padres da Igreja, como Santo Agostinho, que procurava, no seu tempo, também a verdade, aquela verdade que às vezes está camuflada, é apresentada com outros sabores. O Papa talvez também nos possa ajudar a encontrar a verdade neste mundo camuflado, neste mundo difícil de ser interpretado.
Até diria que o Papa será um grande hermeneuta da verdade e do mundo, à luz da palavra de Deus.
"Olhando para o mundo, vemos grandes realidades que nos preocupam, como as migrações, e o Papa é sensível a esta questão"
Já falamos dos jovens, falou também aqui da JOC. Esta atenção aos jovens é um desafio ainda mais particular para a Igreja Católica em Portugal, depois da Jornada Mundial da Juventude de 2023?
Sim, sempre. Quando ouço que os jovens são o futuro, prefiro dizer que eles são o presente, porque o jovem tem uma forma diferente de pensar, diferente do adulto, própria do seu contexto, dos sonhos, das esperanças que eles próprios vivem e a Igreja deve também servir-se desta forma de pensar. Faz-nos falta um pouco este espírito juvenil, reivindicativo, até, por vezes irreverente, na forma de ser Igreja. Portanto, esperemos que seja um Papa que consiga falar aos jovens, com a linguagem própria dos jovens, nesta procura de uma dignidade porque, muitas vezes, a Igreja fala aos jovens de questões teológicas ou de doutrina, mas os jovens também estão interessados em perspetivas de vida, de trabalho, daquilo que realmente eles podem adotar como segurança de vida, com aquilo que é sólido, firme, e acho que o Papa poderá fazê-lo.
Temos feito muitas referências ao Papa Leão XIII, mas, tirando os momentos de aniversário de "Rerum Novarum", nunca se terá falado tanto do pontificado dele como nestes últimos dias. Houve um momento histórico em que existiu um afastamento de classes trabalhadoras, que talvez se sentissem pouco representadas no pensamento da Igreja Católica, mas, da parte do Leão XIII, aconteceu esse movimento de ir ao encontro delas. Falámos também destas questões dos jovens, de pessoas que se sentem, talvez, pouco representadas no discurso ou na capacidade de mobilização da Igreja Católica, mas que foram redescobrindo, nos últimos tempos, até sobretudo pelos gestos e pela ação do Papa Francisco, esta capacidade de se sentirem representados de novo na ação e no discurso da Igreja Católica. Isto é um desafio específico para Leão XIV? Esta capacidade da relevância do discurso e de abrir portas à representatividade daqueles que estão à margem da sociedade e que muitas vezes estão sem voz?
"Esperamos muito dele (Leão XIV) porque tem muito para dar. É um homem cheio de Deus e nós vemos isso"
Sim, exato.
Após o Papa Leão XIII, aparece-nos o padre Cardijn, na Bélgica, com a JOC, que vai ao encontro dos jovens, mas sobretudo daqueles jovens com maiores dificuldades, mais excluídos, que passavam por situações de precariedade no trabalho, até ao ponto de o padre Cardijn dizer que cada jovem trabalhador vale mais do que todo o ouro do mundo.
O Papa Francisco também, nesta continuidade, vai à procura daqueles que estão à margem. E parece-me que Leão XIV fará o mesmo. Nós sabemos que nem todos os jovens seguem um curso superior, nem todos os jovens se destacam num trabalho ou numa condição digna de vida e, portanto, também há que procurar aqueles outros jovens. Aliás, à luz do Evangelho, são esses os prioritários da missão. E esperemos que sim, que o Papa Leão XIV tenha uma grande abertura e desafie a Igreja a ir ao encontro destes jovens. E que eles também sejam a Igreja e venham connosco caminhar, porque precisamos de todos.
Pessoalmente, o que mais o tem marcado no novo Papa Leão XIV, desde que ele se deu a conhecer ao mundo?
Tem-me marcado a sua mensagem assertiva, coerente, também o seu estilo simples, humilde. Parece-me um homem com interioridade e penso sempre em Santo Agostinho e na interioridade da vida. Parece-me um homem que tem conteúdo, que tem Ser e, portanto, esperamos muito dele, porque tem muito para dar. É um homem cheio de Deus e nós vemos isso.