O poder encantador de ousadias como a do Barça, a equipa que mais vezes apanha adversários em foras de jogo e ganha sempre que alguém lhe marca um hat-trick
David Ramos
Se estimarmos a perfeição segundo o que ela realmente é, uma miragem, parvo será termos um adágio que vulgarize o aperfeiçoamento do nosso julgamento. Soa a prepotência dizermos “no seu perfeito juízo” quando vivalma o tem, nem os mais bafejados pela clarividência, se bem que aposto, perdoem-me o atrevimento, de que essa impossibilidade sairá de alguma reação daqui por momentos. Perante o fim do campeonato que temos em Portugal, esticada a sua decisão até à última jornada e afunilados os rivais de Lisboa, historicamente às turras e a alfinetarem-se com cotoveladas que nem duas crianças à bulha por espaço num assento para um só corpo, quem não ajuizaria centrar todo o destaque nisto?
Olhando de relance, fiando no toldo da emoção, Sporting e Benfica chegarem à 34.ª jornada empatados em pontos é obra para entusiasmo, tão ou mais do que o anticlímax do dérbi que podia ter atribuído o título, pela primeira vez, a qualquer uma das equipas. Pela oitava vez este século, o título será decidido apenas na última jornada, viva à emoção, vénia ao estender da competitividade, mas esta tertúlia desta época é uma de baixa cilindrada: o campeão terá, no máximo, 82 pontos, igualando o pior registo da última década, podendo acontecer ficar com menos de 80, acumulado não visto desde 2006. Podemos ter um vencedor com quatro derrotas ou um que não venceu nove jogos no campeonato, algum será.
Nenhum acabará com um resumo espetacular feito à sua temporada, nem cativará pelo bolo do futebol praticado, como se viu no jogo de sábado, insuflado por esteróides e batizado de ‘dérbi do século’, cheio de parra só para depois se extrair pouca uva e respeitar a sina futebolística cá do burgo de ser sensato não esperar maravilhas das partidas entre as equipas das quais normal seria augurar o melhor dos gáudios para os nossos olhos. Uma vez mais, houve é maior providência para os ouvidos, com radiografias exaustivas à arbitragem, lamentos por penáltis e cartões não assinalados e até um adepto que invadiu o relvado no final da partida para refilar com os árbitros, ter um gesto de quem parecia levar a indignação à agressão, vir depois justificar-se, dizendo que só pretende que “deixem os árbitros descansados e não os pressionem”.
Do meu imperfeito juízo, não são as baldrocas de um campeonato nivelado pelo assim-assim, onde quem for campeão teve um ou duas trocas de treinador, as maiores merecedoras de louros. Esta época, o pico da bola em Portugal não terá atraído os adeptos pelo futebol jogado ou pelos arrepios sentidos na espinha vindos da eletrocussão do entusiasmo pelo que estavam a presenciar. O espetáculo pouco superou o quão agarrados esses aficionados já estavam às suas equipas pelo simples facto de torcerem por elas, presos umbilicalmente a acompanharem o seu destino. O encanto estimulado por Sporting e Benfica, e a disputa que partilham, é diferente ao charme proporcionado pela maior rivalidade aqui paredes-meias, em Espanha, por um do suprassumo do seu futebol.
Vale a pena partir do pormenor para sustentar a apologia ao espetáculo e à centrifugação de excitação que tem sido o Barcelona. No domingo, Kylian Mbappé congeminou o raro e deixou três golos, pelo Real Madrid, em Montjuic, mas sucedeu-lhe o mesmo que ao outro trio de marcadores de hat-tricks contra os catalães esta temporada: também Serhou Guirassy, avançado do Borussia Dortmund, Borja Iglésias, com o Celta de Vigo, e Vangelis Pavlidis, do Benfica. Todos perderam os respetivos jogos contra a equipa fanática da ousadia e descrente na possibilidade de amainar os seus jogadores segundo os hipotéticos benefícios da cautela.
Desta particular constatação se vai ao geral do Barça ambivalente esculpido por Hansi Flick. Tem 167 golos feitos e cinco jogadores com mais de 10 marcados, tem produção industrial de oportunidades para rematar à baliza e está cheio de pés quentes, mas sofreu em 67% das partidas, além de ter encaixado dois ou mais golos em 17 jogos. É precisamente por ser falível e ter aceitado os contras vindos dos seus prós, regozijando com os potenciais danos que pode causar nos adversários em vez de temer pela sua exposição às consequências, que este Barcelona se fez canto de sereia a quem aprecia ver futebol. Com esta equipa, perca ou ganha, o futebol nunca tem sido aborrecido.
Seria fácil justificar uma equipa viciada em atacar com tudo com o fácil que pode ter sido, para o treinador alemão, decidir montá-la assim quando lá chegou e se deparou, nas fileiras, com Lamine Yamal, a aberração mais prodigiosa em tão tenra idade que a bola já terá visto, também ele uma esquisita contradição. Fica curtíssimo abordar o seu caso pela vastidão dos seus recordes: aos 17 anos, é o mais novo de sempre a jogar pelo Barça e por Espanha, a conquistar um Europeu e a marcar numa meia-final da Champions, a fazer 100 encontros pelos culés e a marcar um golo na La Liga. O incrível no espanhol também vem da sua obliteração das marcas de precocidade, mas o mais impressionante em Yamal extravasa números, incapazes de arcarem sozinhos com o peso do sublime.
O seu esguio e plástico corpo, dono de precioso pincel no pé esquerdo, age a mando de uma mente excelsa, que parece omnisciente de todos os segredos e recantos do jogo. Com esta idade, é incalculável o valor de Yamal optar, quase sempre, pela decisão certa, se vai para cima do adversário agora, neste momento da jogada, ou frena para tocar a bola o lado; se abranda para poder cruzar, de trivela, onde algum jogador vá aparecer - ou para lhe indicar que espaço deve atacar - ou se ludibria quem tenta roubar a bola sem sequer tocar nela, só com o engano do corpo. Livrem-se os planetas de alinharem lesões no trilho de Lamine ou de as tentações da vida desalinharem do futebol o predestinado que aos 17 anos já diz e mostra, em público, que deixou o medo no bairro onde nasceu.
É a pedra mais reluzente do Barcelona, ajuízo que será a mais brilhante para a próxima década de futebol e ele, mais a equipa que o tem esta época, são as que mais nos deveriam fazer filosofar sobre o que pretendemos enaltecer mais no jogo. Ganhar é o objetivo, mas prevalece sobre tudo? O fim justifica a descura da forma? É seguro confiar que quem apoia, nas bancadas e em casa, estará sempre lá seja qual for a mostra em campo? O resultadismo impera, sabemo-lo, mas deve ser mais do que tudo ou uma parte no todo? Lamine Yamal era inevitável, o vulcão de talento que personifica entraria sempre em erupção. As suas cuspidelas de fogo não foram exponenciadas por estar num coletivo, numa ideia, que por mais rocambolesca e provocadora de arritmias cardíacas nos adeptos, valorize a busca constante pelo risco?
Merece destaque este Barça da postura kamikaze sem a bola, da linha defensiva a confundir-se com a do meio-campo (os 169 foras de jogo marcados aos adversários, mais 54 do que a segunda equipa nesse ranking entre as Big 5, não são por acaso), da pressão alta e imediata pós-perda de bola, dos ataques vertiginosos, de tudo misturado na vontade em entusiasmar quem o vir jogar. A forma como os catalães jogam não é a panaceia, muitas equipas já houve e outras muita virão a encantarem de outras formas. Mas tão pouco é preciso ter um perfeito juízo para entender que o que faz pessoas gostarem de futebol não são “dérbis do século” como o que vimos em Lisboa. São equipas que, ganhem ou sejam derrotadas, joguem par ao espetáculo.
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Zona mista
Leixões-Feirense (quarta-feira, 20h15)
Penafiel-Chaves (quinta-feira, 18h45)
Mafra-Torreense (quinta-feira, 20h45)
Alverca- Portimonense (sexta-feira, 20h30)
UD Leiria-Tondela (sexta-feira, 20h30)
Marítimo-Vizela (sexta-feira, 20h30)
Ac. Viseu-Paços de Ferreira (sábado, 14h)
Felgueiras-Oliveirense (sábado, 14h)
Porto B Benfica B (sábado, 14h)
A bizarria do agendamento da última jornada da II Liga pertence à Liga de Clubes e à Sport TV. Mesmo com a atenuante de coincidir com o fim de semana das eleições legislativas, a escolha dos horários para vários encontros decisivos não faz bater a bota da necessidade com a perdigota dos adeptos, que deveriam ser a prioridade quando há pessoas que se juntam para decidir estas coisas: Quem beneficia de haver três jogos a meio da semana? Não será, certamente, quem torce por essas equipas no estádio; para quê marcar uma partida na Madeira, que implica a mais dispendiosa e tarefeira das viagens, para a noite de sexta-feira? Fica complicado não interpretar esta calendarização por um prisma: a estima pelos adeptos destas equipas não terá sido a estrela polar que guiou este processo.
O que vem aí
Segunda-feira, 12
🎾 Joga-se o Masters 1000 de Roma na terra batida do Foro Italico (a partir das 10h, Sport TV2).
⚽ Há jogo relevante na Serie A na luta pela Champions: a AS Roma, 6.ª classificada, visita a Atalanta, que está no 3.º lugar (19h45, Sport TV1). Em caso de vitória, a equipa da capital ultrapassa a Lazio e a Juventus para se colar à de Bérgamo.
Terça-feira, 13
🏀 NBA: Quarto jogo do play-off entre os New York Nicks e os Boston Celtis de Neemias Queta (00h30, Sport TV1). Um pouco mais tarde, jogam os Golden State Warriors frente aos Minnesota Timberwolves (3h).
🎾 Masters de Roma (a partir das 10h, Sport TV2).
🚴♂️ Quarta etapa do Giro d’Itália (a partir das 11h45, Eurosport1).
⚽ No Championship, os dois clubes já promovidos levam 100 pontos amealhados e logo abaixo também nada mudará, mas há uma partida para reviver duelos antigos da divisão acima: o Sunderland que tão fundo desceu na última década recebe o Coventry (20h, Sport TV1). Os anfitriões estão seguros nos lugares de play-off e os visitantes ainda podem acabar fora dos desse via de acesso à Premier League.
Quarta-feira, 14
🏀 NBA: Jogo 5 do play-off entre os Cleveland Cavaliers e os Indiana Pacers (00h, Sport TV3).
🎾 Masters de Roma (a partir das 10h, Sport TV2).
🚴♂️ Quinta etapa da Volta a Itália (a partir das 12h30, Eurosport1).
⚽ Dia que pode decidir o campeão nos Países Baixos: se o PSV escorrega contra o Heracles (19h, Sport TV6) e o Ajax ganha em Groningen (19h, Sport TV4), então o título irá para Amesterdão.
⚽ Em Itália, o AC Milan de Sérgio Conceição e Rafael Leão recebe o Bologna (20h, Sport TV1) em busca de uma vitória para manter a esperança em alcançar os lugares europeus.
Quinta-feira, 15
🚘 Arranca o Rali de Portugal, a contar tanto para o Mundial como para o Nacional (a partir das 8h, Sport TV1).
🎾 Masters de Roma (a partir das 10h, Sport TV2).
🚴♂️ Sexta etapa do Giro d’Itália (a partir das 10h15, Eurosport1).
⚽ Na La Liga, o Barcelona visita os rivais citadinos e, em caso de vitória, sagra-se campeão espanhol em casa do Espanyol (20h30, DAZN1).
Sexta-feira, 16
🚘 Rali de Portugal (a partir das 7h30, Sport TV4).
🎾 Masters de Roma (a partir das 10h, Sport TV2).
🚴♂️ Sétima etapa da Volta a Itália, já com bastante montanha para escalar (a partir das 11h30, Eurosport1).
👟 Terceira etapa da Diamond League de atletismo, em Doha, no Catar.
⚽ O Manchester United de Ruben Amorim, além de Bruno Fernandes e Diogo Dalot, vai a Londres defrontar o Chelsea (20h15, DAZN1).
Sábado, 17
🚘 Rali de Portugal (a partir das 7h30, Sport TV4).
🎾 Final feminina do Masters de Roma (Sport TV).
🚴♂️ Oitava etapa do Giro d’Itália (Eurosport1).
🏃♀️⚽ Final da Taça de Portugal feminina entre Benfica e Torreense, no Jamor (15h, RTP1), que quem tem palavra nestas coisas achou por bem fazer calhar no fim de semana da derradeira jornada do campeonato nacional masculino.
⚽ Com eleições legislativas marcados para o nascer do sol seguinte, será dia para se realizarem todos os encontros da 34.ª e última jornada do campeonato, com óbvio destaque para o Sporting-Vitória e o SC Braga-Benfica (ambos na Sport TV). Serão ambos às 18h, como quase todos os restantes jogos: Farense-Santa Clara, Arouca-Boavista, AFS-Moreirense, FC Porto-Nacional e Estoril Praia-Estrela da Amadora. Apenas o Famalicão-Casa Pia (19h, Sport TV) e o Rio Ave-Gil Vicente (19h, Sport TV) começarão mais tarde.
🏆⚽ Final da Taça de Inglaterra, em Wembley, entre o Manchester City e o Crystal Palace (16h30, Sport TV6).
Domingo, 18
🚘 Rali de Portugal (a partir das 6h30, Sport TV1).
🎾 Final masculina do Masters de Roma (16h, Sport TV4).
🚴♂️ Nona etapa da Volta a Itália (Eurosport1).
⚽ O Nottingham Forest de Nuno Espírito Santo e Jota Silva vai a Londres jogar contra o West Ham (14h15, DAZN1) para se tentar manter vivo na caça aos lugares de qualificação - que serão cinco - rumo à Liga dos Campeões.
🏎️ Fórmula 1: Grande Prémio de Itália no mítico circuito de Imola (15h, DAZN).
Hoje deu-nos para isto
Em 2025, a única equipa à qual o Manchester United de Ruben Amorim ganhou além das já despromovidas foi o Fulham.
Zohaib Alam - MUFC
Na grande ordem da vida, perder ou ganhar um jogo de futebol interessa para nada. Futebolisticamente falando, importa tudo - pelo menos, a vontade em ganhá-lo. A isso se referiu Ruben Amorim, feita mais uma derrota, a sétima em Old Trafford das 13 que o treinador português regista na Premier League, onde nem rendição à venda ao desbarato desta época, feita desde aquela sua frase de o Manchester United ser “talvez a pior equipa” da história do clube, o terá feito imaginar uma queda tão afundada: tem a equipa na 16.ª posição do campeonato, apenas duas acima dos lugares de despromoção já atribuídos.
A vida do treinador português em Inglaterra, suavizando-a com um eufemismo, não está famosa. E da sua intervenção, no domingo, carteira de recados para dentro, intui-se vir uma prova dupla da gravidade que Ruben Amorim atribui ao abismo na classificação: pelo facto de escolher constatá-la, em público, além do conteúdo que carregou. “A coisa mais perigosa do nosso clube é que pensamos: ‘Não conseguimos mudar de posição na tabela, então está tudo bem.’ Somos um clube enorme e estamos a perder o sentimento de que perder em casa é o fim do mundo”, lamentou o técnico, a quem o buraco negro dos resultados está, aos poucos, a engolir as regalias do seu carisma.
O United acabara de perder contra o West Ham, em casa, oferecendo outra escanzelada amostra da sua pobreza, reavivando os neurónios de críticos e comentadores, há meses aos papéis com o que clamam ser a insistência de Amorim nos três centrais, a dogmática apologia a um só sistema quando é notória a sua disfuncionalidade em campo, interpretado por jogadores com características desajustadas a fazê-lo. Fugindo de táticas, esquecendo o visível, Ruben acrescentou à amuse-buche do que realmente será a sua prova de algodão em Manchester - a próxima temporada - questões do foco e da mentalidade que costumam ser das mais tramadas de moldar nos jogadores.
Quando um treinador desliga o controlo na fronteira e deixa escapar, para fora, tais dúvidas existenciais por hábito constritas ao balneário, ao domínio do que se apregoa ser melhor resolver lá dentro, isso sinaliza uma vontade em recorrer a algo parecido como terapia de choque. Atrelado ao futebol muitas vezes penoso, aquém de entusiasmo, estão os factos: neste ano civil, além das equipas que irão descer ao Championship, o United apenas venceu o Fulham no campeonato; já sofrerem o primeiro golo em jogos em Old Trafford por 12 vezes; há 62 anos que o clube não tinha tantas derrotas em casa. Alterem-se sistemas, venham jogadores novos, carregue-se até de novo no botão de reset para um novo treinador, mas, caso a mentalidade reinante seja a de encolher os ombros perante as falhas, tudo será engolido por ela.
Já se ouve Ruben Amorim dizer que se resignará e, no fundo, desistirá caso não seja capaz de mudar isto que habita no clube. É verdade que tem a hipótese de garantir a presença na Liga dos Campeões caso vença a final da Liga Europa, este mês, prova onde nota outro fogo nos seus jogadores, outra “urgência”. Aí têm tudo a ganhar. Em equipa grande, moribunda, mas ainda assim grande, não se pode pensar pequeno. O que o treinador português destapou, ao de leve, com a confidência, é a indiferença que lastra no Manchester United.
Que venha daí uma boa semana. Obrigado por nos acompanhar, lendo-nos no site da Tribuna Expresso, onde poderá seguir a atualidade desportiva e as nossas entrevistas, perfis e análises. Siga-nos também no Facebook, Instagram e no X. Escute também o podcast “No Princípio Era a Bola”, com a análise a tudo o que vai sucedendo no planeta futebol, como sempre com Tomás da Cunha e Rui Malheiro.