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A posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos há alguns anos – e sua volta ao poder nesta segunda-feira (20/01) – parece ter abalado a árvore da extrema direita em todo o mundo. Desde então, os ganhos até então ocultos ou adormecidos caíram, expondo ideias e práticas que muitos pensavam estar enterradas. No Brasil, essa onda trouxe à tona narrativas autoritárias e anacrônicas, como elogios frequentes à ditadura militar.
Muitos parecem ignorar – ou preferem distorcer – a tragédia que este regime causou através da repressão, da censura e da destruição de direitos básicos. Mas o movimento não se limita ao revisionismo histórico. Encontrou terreno fértil para prosperar nas plataformas digitais, alimentando a absurda proliferação de notícias falsas.
Neste caso, Mark Zuckerberg e a sua empresa Meta desempenharam um papel central. Embora afirmem combater a desinformação, as suas plataformas continuam a dar prioridade a algoritmos que amplificam o discurso de ódio, as teorias da conspiração e a manipulação política. É como se a tecnologia tivesse sido sequestrada para servir interesses autoritários e mercantilistas.
No Brasil, os movimentos de extrema direita fizeram dessas ferramentas digitais suas principais armas. WhatsApp, Facebook e Telegram tornaram-se campos de batalha para distorcer a realidade, destruir reputações e transformar mentiras em factos para manipular a opinião pública. A desinformação alimenta divisões sociais e reforça a retórica que desdenha a ciência, glorifica o autoritarismo e ataca qualquer manifestação de progresso.
O mais paradoxal deste processo é que pessoas que nunca defenderam historicamente a liberdade de expressão estão a usá-la como escudo. Os movimentos autoritários que perseguem artistas, jornalistas e intelectuais utilizam agora o discurso liberal para justificar ataques à democracia, espalhar o ódio e espalhar mentiras. Esta apropriação distorce completamente o conceito de liberdade, transformando-o num instrumento de opressão e manipulação.
Zuckerberg incorpora essa ambigüidade. O seu objetivo é combater a desinformação, mas as suas ações fazem exatamente o oposto: colocam os lucros à frente de quaisquer preocupações éticas. Ele permitiu que a sua plataforma fosse usada para amplificar a retórica extremista e forneceu respostas tardias e ineficazes quando pressionado.
Essa postura contribuiu diretamente para a instabilidade das democracias em todo o mundo, inclusive no Brasil. Aqui convivemos com as consequências desta onda. O discurso autoritário ganha força, glorificando a censura, menosprezando a ciência e promovendo um perigoso revisionismo histórico. A memória colectiva está sob ataque, as conquistas democráticas são ignoradas e o passado é reescrito para servir os interesses reaccionários.
Enfrentamos mais do que apenas uma crise política. Esta é uma guerra cultural e de informação. É o próprio conceito de verdade e os pilares que sustentam a cultura, a história e a democracia que estão sob ataque. Perante esta situação, os artistas, os intelectuais, os jornalistas, os políticos e os cidadãos comprometidos com a democracia devem levantar-se.
Precisamos denunciar o papel das plataformas digitais neste processo, resistir à proliferação de notícias falsas e expor a hipocrisia daqueles que usam a liberdade de expressão como disfarce para promover o autoritarismo. Só com vigilância, coragem e acção colectiva poderemos impedir que o fruto venenoso desta árvore oscilante continue a envenenar sociedades em todo o mundo. A democracia, a arte e a verdade exigem defensores incansáveis. Agora é a hora de agir.