"JPP não tem amarras ideológicas. Apoia o que é bom para os portugueses"

Depois de, este ano, se ter tornado na segunda força política com mais deputados no parlamento madeirense, destronando o Partido Socialista, o partido Juntos pelo Povo (JPP) ambiciona agora eleger, pelo menos, um deputado para a Assembleia da República.

 

Para isso, bastaria assegurar os mesmos votos que arrecadou a 23 de março, nas eleições regionais da Madeira - um cenário que as sondagens não descartam.

Embalado por esses dados, e a alimentar a esperança de eleger Filipe Sousa para o parlamento nacional, o secretário-geral do JPP, Élvio Sousa, explica ao Notícias ao Minuto que, ainda assim, não se podem fazer comparações "de forma absoluta" já que o "eleitorado vota de forma diferente" nas legislativas regionais e nas nacionais.

Nascido em 19 de abril de 1973, Élvio Sousa foi, juntamente com o seu irmão Filipe Sousa, um dos fundadores, em 2008, de um grupo de eleitores designado Pelo Povo de Gaula, no concelho de Santa Cruz, que no ano seguinte passou a ser movimento de cidadãos Juntos Pelo Povo. Em 2013, o JPP ganhou a Câmara de Santa Cruz, afastando o PSD da liderança autárquica que detinha desde 1976. Dois anos depois, em 2015, tornou-se partido político.

Com o combate à crise da Habitação e ao "imobilismo" dos partidos tradicionais como as principais bandeiras, o JPP propõe-se a reduzir despesa e a ser "a voz das ilhas" no Parlamento nacional.Há uma forte probabilidade de conseguirmos eleger pelo círculo da Madeira, ou pelos círculos da Madeira e dos Açores

O Élvio Sousa assumiu, no passado mês de março, o lugar de líder da oposição ao eleger 11 deputados nas regionais da Madeira. Qual é a meta para as legislativas nacionais?

Nós sabíamos, à partida, que teríamos um resultado histórico nas regionais. O eleitorado da Região Autónoma da Madeira é um eleitorado tradicional conservador; quando vota, assume isso para uma legislatura de quatro anos, e penalizou claramente os partidos que apresentaram e apoiaram a moção de censura. Isto pode também configurar a mesma leitura para as eleições para a Assembleia da República. 

Somos o partido da oposição mais votado na Madeira, fizemos uma posição clara, fundamentada para um programa com soluções e, naturalmente, não fugimos à característica de ser um partido que ainda é um movimento de cidadãos que foi criado numa freguesia, que constituiu uma alternativa para um município e não deixa de ser um partido nacional com uma significativa expressão regional. Tudo isto aumenta o pluralismo, enriquece a soberania do Estado. Não é um partido separatista, é um partido regionalista - não há que ter vergonha em assumi-lo - , e há uma forte probabilidade de conseguirmos eleger pelo círculo da Madeira, ou pelos círculos da Madeira e dos Açores, e portanto estamos a fazer uma caminhada de expansão regional e, sem grandes ambições, de representatividade em todos os círculos nacionais - ou fora da Europa e na Europa.

Mas qual seria um bom resultado?

Um bom resultado seria eleger um ou dois deputados para a Assembleia da República.

Portanto, acredita num cenário semelhante ao da Madeira, de 'roubar' um dos lugares tradicionalmente ocupados pelo PS?

Sim, sim. Nós temos dez anos de fundação de partido. Estivemos à beira de eleger em 2015, depois nas últimas eleições ficamos a 400/500 votos. E há uma questão: não se pode comparar, de forma absoluta, resultados de eleições regionais com eleições nacionais. O eleitorado vota de forma diferente e, pelo facto de não termos representação até à data no Parlamento nacional, também tem tornado mais difícil essa possibilidade.

Há uma característica que nos distingue: não somos um partido tradicional com uma estrutura ideológica significativamente compartimentada - 99,9% do partido nunca teve filiação partidária

A acontecer, será uma estreia na Assembleia da República e mais um passo de relevo para o Juntos pelo Povo, que é dos partidos que mais tem crescido - senão mesmo o que mais cresceu - ao longo das últimas eleições reginais. Em que temas considera que o JPP poderá ser mais útil e interventivo no Parlamento nacional?

O JPP tem uma característica comum a todas as organizações políticas: tem pessoas de várias frentes, unidas por um programa que pretende melhorar a qualidade de vida da população. Mas há uma característica que nos distingue: não somos um partido tradicional com uma estrutura ideológica significativamente compartimentada - 99,9% do partido, dos atuais agentes e deputados, nunca tiveram filiação partidária. Essa característica faz com que a sua diretriz e a sua forma de agir seja distinta da esquematização ideológica dos partidos tradicionais. O quer isto dizer? Não somos melhores que os outros, não se pode esperar tudo do JPP, claro que há um programa, há uma linha de conduta, de rumo, que se define em várias áreas, mas, do ponto de vista das orientações e das diretrizes do partido, ele não se rege por uma metodologia que muitas vezes vem das diretrizes já tradicionais dos partidos. Eu acho que essa é a primeira distinção. Agora, pelo facto de sermos um partido mais jovem, com dez anos, isso também nos permite ter, digamos assim, menos "vícios" no que diz respeito à execução de medidas.

O conceito de ilha, aqui, pode ser simbólico, mas ao fim e ao cabo há temas que são complementares e que são parcelares a todo o país

No vosso tempo de antena, dirigem-se a todos os madeirenses e porto-santenses e defendem o lema "A voz das ilhas por Portugal" e usam até o termo "ilhas" como uma metáfora para se referir aos idosos, aos doentes, aos jovens forçados a emigrar. Como é que o JPP pretende fazer mobilizar esses eleitores, não só no arquipélago?

Nós estamos marcadamente a utilizar os campos insulares experimentais das regiões autónomas, não só da Madeira, mas também dos Açores, para chegar ao país. José Saramago tem uma frase muito curiosa: "É necessário sair da ilha para ver a ilha". Ou seja, o conceito de ilha, aqui, pode ser simbólico, que o país é constituído por pequenos territórios com as suas idiossincrasias, as suas características próprias, as suas culturas próprias, mas ao fim e ao cabo há temas que são complementares e que são parcelares a todo o país, como sejam a Saúde, a Educação, a Habitação - que para nós é um dos temas mais relevantes e que o Estado ou a região deveriam ter aqui um papel decisivo - e há um aspeto importante, que é a redução da despesa do Estado. 

Nós, ao fim e ao cabo, estamos a reproduzir pequenos programas. Pequenos no sentido territorial: um programa para um território mais reduzido serve para um território mais lato, com outras dimensões. As prioridades muitas vezes são as mesmas, mas as áreas são de maior dimensão. E eu acho que nós seguimos isso, pegamos no conceito de ilha, mas ele serve para o país. 

Claro, como somos um partido - e eu reconheci isso há pouco - marcadamente regional, estamos muito mais motivados para a possibilidade de candidatura pelo círculo da Madeira. Estamos a pegar no nosso programa, um programa que é mais perceptível do ponto de vista regional, seja nas questões da mobilidade aérea ou marítima, seja a necessária revisão da lei das finanças regionais, seja o problema habitacional (que é um problema complementar a todo o país), seja a importância do Centro Internacional de Negócios como uma zona de baixa tributação, e a exigência do Estado assumir a sua quota-parte. Nós, como somos um partido nacional com afirmação regional, compreendemos todos os preceitos do regionalismo ou da regionalização. Porque há aqui um princípio que é o princípio da subsidiariedade, que é as instituições ou os executivos mais próximos que melhor resolvem os problemas da população - é um princípio pelo qual o regime autonómico hoje em dia é um regime que, apesar dos problemas que tivemos do ponto de vista da dívida, funciona. E que funciona também por estar afastado do território continental. Neste caso, as regiões autónomas têm muitos problemas que são complementares aos do continente, mas outros até são muito distintos. Portanto, estamos a colocar aqui a tónica nalgumas situações comuns.

Então vamos primeiro às situações comuns. No plano nacional, quais são as bandeiras do JPP? Nomeadamente em relação aos salários, pensões, habitação?

Penso que há aqui quatro aspetos que são fundamentais. Na Habitação: haver expansão clara de programas de arrendamento para jovens, para a classe média. Neste momento, o Estado devia dar um exemplo para segurar a classe média e segurar os jovens e existem várias metodologias para isso. Aliás, isso não deixa de ser uma prioridade. E atenção: nós defendemos um Estado regulador em determinadas áreas, não defendemos um Estado paternalista nem comunista. Um Estado regulador. O Estado tem de construir para a classe média com rendas acessíveis com possibilidade depois de aquisição da habitação. Nós temos de resolver este problema e ele é transversal.

O segundo aspeto é a Saúde e a Educação: a necessidade de constituir o Serviço Nacional de Saúde (SNS) como uma prioridade. Há vários problemas, desde o reforço de profissionais, de infraestruturas e redução dos tempos de espera. Mas há aqui um aspeto que nós também não temos bloqueios ideológicos: em que haja parcerias público-privadas em que o próprio Estado permaneça com uma auditoria de forma transparente e concertada, protocolizado com o privado. Desde que a eficiência e o utente seja considerado.

Para um Estado ser mais eficiente, tem de ser gerido como uma casa familiar, tem de pensar em reduzir despesa

O terceiro aspeto é a Educação: valorizar as carreiras dos professores e dos educadores. E quarto aspecto é a Economia e Finanças: aqui entra o programa nacional de redução de despesa do Estado. Praticamente não é um assunto quase tabu na maior parte das candidaturas e uma dinâmica de redução fiscal considerando também as necessidades do Estado, mas acompanhado com um programa de redução de despesa geral que define o ir para o contribuinte individual a nível de IRS para as empresas e para o IVA. Bom, não sou conhecedor das contas reais da República, não posso estar aqui a falar em pontos percentuais, mas sei que há uma necessidade de reforçar a redução de IRS e, pelo menos, o IRC para as empresas. 

Para terminar, as questões da Justiça, do Ambiente e da Energia: continuar com a redução das emissões de carbono e a mobilidade sustentável e, a nível da Segurança Social, consolidar o Salário Mínimo Nacional, sem esquecer os salários médios. Para um Estado ser mais eficiente, tem de ser gerido como uma casa familiar, tem de pensar em reduzir despesa. E reduzir despesa não significa despedir funcionários, atenção. 

De modo geral, como podemos então fazer esse corte na despesa?

Existem várias formas. Poderá haver uma redução da orgânica do Estado, ou seja, redução de secretarias de Estado, menos nomeações, menos gastos, menos estruturas - e depois passa por um corte de aquisição de bens e serviços. O Estado não consegue chegar a todas as áreas, tem é de definir quais são as prioridades para os próximos quatro anos.

Há uma questão: as pessoas estão cansadas de cenários eleitoriais um a seguir ao outro, e por isso pedem é que haja legislaturas de entendimento plural e coletivo.

O JPP tem falado também recorrentemente num "imobilismo" por parte dos partidos tradicionais em relação à Madeira, nomeadamente no que diz respeito à questão do preços das viagens, do subsídio de mobilidade ou do transporte de bens. O que propõe para fazer face a esses problemas concretos?

Nós falamos de imobilismo porque há um marcado centralismo em função das directrizes partidárias. Dou-lhe um exemplo: há cerca de quatro ou cinco anos, o JPP propôs uma medida muito simples, que não implicava perda de receita, que era o pagamento do IMI fracionado até cinco/seis prestações. Pessoas que pagam IMI de 500/600€, pagariam em cinco prestações, o Estado arrecadaria essa receita e as pessoas pagariam em várias prestações. 

Como sabe, os parlamentos regionais podem discutir leis nacionais e elas depois transitam para a Assembleia da República. Nós apresentámos esta medida do IMI, foi aprovado por maioria na Assembleia Legislativa da Madeira com abstenção do PSD e voto favorável do Partido Socialista (PS). A mesma medida, quando chegou à Assembleia da República, caiu com voto contra do PSD e voto contra do PS. Os partidos são os mesmos, os deputados são oriundos do círculo da Madeira, o que explica esta semi-traição a esta medida de alívio que teria repercussão em todo o território nacional? Isto é imobilismo, porque parece transfigurar uma situação que, numa determinada parcela do território, a medida tem aceitabilidade de todos os partidos, mas chega à Assembleia da República e existem pressões para que tal não aconteça. E a medida seria benéfica para todo o território nacional. Isto é um exemplo que nós utilizamos para configurar que as mentes às vezes são escravizadas pelo centralismo. Não queremos dizer que somos melhor que os outros, mas como defendemos o princípio da justiça, nunca fariamos isso a uma população que nos elegeu. Acho que isso é um princípio humanista, de Estado Social. Os deputados do PSD e do PS, eleitos pelo círculo da Madeira, ao ver os seus partidos votarem de forma favorável e depois, eles próprios, contribuírem para essa posição desfavorável, bom, acho que isso é uma descaracterização social e que fere. E houve vários exemplos, como o IVA da internet ou da eletricidade, em que isso aconteceu. Por isso nós dizemos que, connosco, isso não pode acontecer.

Os extremismos combatem-se com moderação e também com informação

O cabeça-de-lista da candidatura do Juntos Pelo Povo, Filipe Sousa, já disse não acreditar numa maioria clara nas legislativas. Partilha dessa visão? Estaria disponível para um entendimento à Esquerda?

Nós não temos nenhuma aversão a nenhum partido, nem mesmo aos extremistas, embora temos aqui situações claras em que o Chega não pratica aquilo que diz. Mas não temos esses comportamentos. Nós, como somos um partido mais centrista, digamos assim, pelo meio conseguimos ver a Esquerda e a Direita com outros olhos, de mais moderação. Aquilo que estamos disponíveis para colaborar é com qualquer Executivo com vista a apresentar medidas não só para os círculos onde os deputados são eleitos, mas também que sejam benéficos para o país. Chegar a um Parlamento nacional pela primeira vez implica uma fase de estágio.

O Filipe (cabeça de lista do JPP pelo círculo da Madeira às eleições legislativas) é um autarca experiente - está há 12 anos à frente de uma câmara, a segunda maior da Madeira - e já foi parlamentar, e estou convicto de que não só vai aplicar e defender os interesses do círculo pelo qual for eleito, como também vai assumir a defesa dos interesses do país.

Em suma, vamos aguardar, mas o que posso dizer é que o JPP não tem amarras ideológicas para poder apoiar orçamentos ou programas que sejam benéficos para os portugueses em geral. 

Gostaria ainda de lhe perguntar como vê o crescimento da extrema direita no país e na Europa e como é que acha que se combatem esses extremismos?

Os extremismos combatem-se com moderação, acho eu. Não estudei nem tenho acompanhado soluções mas, do meu ponto de vista, julgo que se combate com moderação e também com informação. Explicar às pessoas que há medidas que os executivos têm dificuldade em resolver e, de uma forma geral, combate-se com mais conhecimento, mais informação e campanhas de sensibilização.

Defende a extinção do cargo de representante da República nas regiões autónomas. Porquê?

O cargo de representante da República, embora tenha competências já adstritas e conhecidas, são competências que, do nosso ponto de vista, podem ficar a cargo do Presidente da República. Aliás, nesta situação da crise política regional, não só fomos ouvidos pelo representante da República como também tivemos de ser ouvidos pelo Presidente da República. Ao fim e ao cabo, a Presidência da República poderia configurar esses poderes do representante da República, que acaba por ser mais uma figura de estilo neste momento, do que propriamente uma figura da República na região. Isso é meramente um símbolo que para nós não tem significado nenhum. O Estado é soberano e não precisa de representantes. É uma questão até de modernização administrativa, digamos assim. É uma figura que já não é necessária, está obsoleta.

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