Hipertensão. O 'inimigo silencioso' que pode levar a complicações graves

Estima-se que em Portugal cerca de 42% da população seja hipertensa. "Este valor é preocupante, especialmente porque muitos casos permanecem não diagnosticados ou mal controlados."

 

Quem o diz é o médico Fernando Gonçalves em entrevista ao Lifestyle ao Minuto. Neste Dia Mundial da Hipertensão, que se assinala este sábado, 17 de maio, falámos com o especialista para perceber melhor sobre esta condição e o que pode acontecer nos casos em que não é tratada e vigiada da forma adequada.

"Na ausência de sintomas evidentes, o doente pode ter a pressão arterial elevada durante anos, colocando-o em risco de complicações graves. É fundamental o diagnóstico precoce e o tratamento adequado", explica o médico.

Existem hábitos de vida que podem ser alterados, mas também há casos em que é necessária a medicação que por vezes pode não fazer o efeito desejado.

"Numa percentagem pequena de doentes, estima-se entre 5 e 10%, as mudanças no estilo de vida e a medicação, mesmo associando quatro ou mais medicamentos de diferentes classes, podem não ser suficientes para controlar a hipertensão."

Notícias ao Minuto O médico Fernando Gonçalves falou ao Lifestyle ao Minuto© Fernando Gonçalves  

Como podemos definir a hipertensão?

A hipertensão arterial, ou pressão arterial elevada, é uma condição médica em que a força exercida pelo sangue contra as paredes das artérias é consistentemente alta. Esta pressão elevada a longo prazo vai originar complicações que podem ser graves e comprometer mesmo a vida, como por exemplo um enfarte do miocárdio, um acidente vascular cerebral, entre outras.

Quais são os sintomas e os fatores de risco?

A hipertensão é chamada de 'assassino silencioso' porque habitualmente é assintomática e os sintomas aparecem quando surgem as complicações. Alguns hipertensos referem alguns sintomas como dores de cabeça, tonturas mas não são específicos nem exclusivos da hipertensão arterial. Os fatores de risco da hipertensão arterial são classicamente divididos em dosi grupos, fatores de risco modificáveis e não modificáveis. Dos fatores não modificáveis, ou seja que não podemos alterar, temos: a idade (o risco de hipertensão arterial aumenta com a idade); a história familiar (ter familiares com hipertensão pode aumentar o risco); a etnia o sexo (antes dos 65 anos, o risco é menor nas mulheres). Dentro dos fatores modificáveis temos muitos e é importante salientar que sobre estes poderemos atuar e assim minimizar o risco de complicações. Dieta rica em sal, em gorduras, o sedentarismo, a obesidade, o consumo excessivo de álcool, o tabagismo, o stress, a falta de sono. E também fatores ambientais como a poluição, condição socioeconómica precária.

Existem diferentes graus de gravidade?

Naturalmente que a hipertensão arterial será mais grave quanto mais elevado for o valor da pressão arterial e assim a classificamos em diferentes graus. Mas aqui interessa assinalar que existem poucas pessoas apenas com hipertensão arterial e antes pelo contrário têm também diabetes, colesterol elevado, obesidade ou são fumadores. Todos esses fatores associados aumentam o risco e aumentam a probabilidade de complicações. 

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Quais são as principais causas da hipertensão?

Relativamente à causa, dividimos a hipertensão arterial em dois tipos: hipertensão primária (ou essencial) e hipertensão secundária. A hipertensão primária é forma mais frequente (90-95% dos doentes). Não há uma causa específica, se bem conhecemos os mecanismos potencialmente responsáveis. Poderemos simplificar dizendo que surge pela associação de fatores genéticos, ambientais e de estilo de vida.  Por outro lado, a hipertensão secundária, bastante menos frequente (mais ou menos 5%) acontece por uma doença médica subjacente ou por medicamentos reconhecidamente responsáveis. Poderemos encontrar doenças renais, alterações hormonais como hiperaldosteronismo, feocromocitoma ou síndrome de Cushing, entre outros. Ainda a apneia do sono e medicamentos como contracetivos orais, anti-inflamatórios não esteróides (AINEs) e descongestionantes. Identificar a causa subjacente da hipertensão é essencial para o tratamento mais eficaz.

Conseguimos controlar a maioria dos hipertensos com as mudanças no estilo de vida e com os medicamentos existentesExistem doenças que podem levar a casos de hipertensão?

No caso da hipertensão arterial secundária, existem várias doenças e condições médicas que podem levar ao desenvolvimento de hipertensão. As mais frequentes serão as doenças renais, tanto a doença renal crónica como a estenose da artéria renal. Também distúrbios endócrinos em que há uma produção hormonal aumentada, como o hiperaldosteronismo, feocromocitoma (raro), a síndrome de Cushing, acromegalia e alterações da tiroideia.  A apneia obstrutiva do sono também se associa frequentemente à hipertensão arterial. Mais raras, existem doenças congénitas cardíacas como a coartação da aorta que podem aumentar a pressão arterial.

É algo que é possível controlar com o recurso a medicamentos e uma mudança do estilo de vida?

Sim, conseguimos controlar a maioria dos hipertensos com as mudanças no estilo de vida e com os medicamentos existentes. Temos disponíveis várias classes de medicamentos anti-hipertensores. As principais são os diuréticos, os inibidores da enzima de conversão da angiotensina, os bloqueadores dos recetores da angiotensina II, os bloqueadores betaadrenérgicos e os bloqueadores dos canais de cálcio. A escolha do medicamento ou mais frequentemente a associação de medicamentos (preferencialmente em comprimido único) depende do perfil do doente e de condições médicas subjacentes. Conseguimos controlar a maioria dos hipertensos com as mudanças no estilo de vida e com os medicamentos existentes. Temos disponíveis várias classes de medicamentos anti-hipertensores. Os principais são os diuréticos, os inibidores da enzima de conversão da angiotensina, os bloqueadores dos recetores da angiotensina II, os bloqueadores betaadrenérgicos e os bloqueadores dos canais de cálcio. A escolha do medicamento ou mais frequentemente a associação de medicamentos (preferencialmente em comprimido único) depende do perfil do doente e de condições médicas subjacentes. 

Podem existir casos em que a medicação e a mudança de estilo de vida não são suficientes?

Numa percentagem pequena de doentes, estima-se entre 5 e 10%, as mudanças no estilo de vida e a medicação, mesmo associando quatro ou mais medicamentos de diferentes classes, podem não ser suficientes para controlar a hipertensão. Esta situação é conhecida como hipertensão resistente. Quando isto acontece é preciso certificarmos que o doente toma a medicação (adesão à terapêutica); que o doente não toma outros medicamentos que podem interferir na eficácia dos anti hipertensores; e excluir hipertensão secundária. Excluídas estas situações, teremos de ajustar a medicação e considerar outras estratégias tais com a desnervação renal, a estimulação do corpo carotídeo entre outras.

Existem pessoas que têm hipertensão e não sabem? Quais são os riscos? 

Muitas pessoas podem ter hipertensão arterial e não ter qualquer sintoma.  Por esta razão, a hipertensão é frequentemente chamada de ‘assassino silencioso’. Na ausência de sintomas evidentes, o doente pode ter a pressão arterial elevada durante anos, colocando-o em risco de complicações graves. É fundamental o diagnóstico precoce e o tratamento adequado. 

Quais são as complicações relacionadas com a hipertensão não controlada?

Podemos dividir em doenças cardiovasculares, como enfarte do miocárdio, insuficiência cardíaca e arritmias, em  acidente vascular cerebral: isquémico ou hemorrágico, em doença renal, doença renal crónica ou insuficiência renal, ou perturbações da visão, como alterações vasculares: aneurismas e demências. A deteção precoce e o tratamento adequado são cruciais para prevenir estas complicações.

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 Como é que pode ser feito o diagnóstico?

O diagnóstico da hipertensão arterial é fácil, simples e barato. A pressão arterial mede-se utilizando um esfigmomanómetro. Em algumas situações, os doentes deverão fazer a monitorização ambulatória da pressão arterial durante 24 horas. Assim conseguimos saber os níveis de pressão arterial ao longo do dia e da noite e atuar em conformidade. É fundamental garantir um diagnóstico preciso e a distinguir entre hipertensão arterial e elevações transitórias da pressão arterial. 

Quando o doente é diagnosticado e medicado, deverá avaliar regularmente a sua pressão arterial e manter o contacto com o seu médico assistenteÉ uma condição que tem cura? Como pode ser feito o tratamento?

A hipertensão, na maioria dos casos, não tem cura definitiva, mas pode ser eficazmente controlada ao longo da vida. O tratamento visa manter a pressão arterial dentro de limites saudáveis para reduzir o risco de complicações. Existem dois tipos de intervenções. Uma delas passe por incentivar as mudanças no estilo de vida atuando sobre a dieta, promoção do exercício físico, normalizar o peso, redução do álcool e tabaco, dormir pelo menos sete horas por noite, controlar o stress. Quando estas medidas não são suficientes, o que aliás é o habitual, os doentes terão de fazer medicação. A outra vertente é a medicação, limitar o consumo de álcool e evitar o tabagism. Existem várias classes de medicamentos eficazes quando associados e bem tolerados. A escolha vai depender do perfil do doente, grau de hipertensão e doenças associadas. Quando o doente é diagnosticado e medicado, deverá avaliar regularmente a sua pressão arterial e manter o contacto com o seu médico assistente.

Em que consiste a desnervação renal, que não é muito conhecida, mas que pode trazer vários benefícios a quem sofre desta condição?

A desnervação renal é um procedimento minimamente invasivo que tem como objetivo reduzir a pressão arterial. Inserindo um cateter através da artéria femoral e guiado até as artérias renais, faz-se a interrupção da atividade dos nervos simpáticos que envolvem as artérias renais. Pretende-se assim reduzir a atividade simpática excessiva, que contribui para a elevação da pressão arterial. Os benefícios potenciais da desnervação renal incluem uma redução sustentada da pressão arterial em pacientes com hipertensão resistente ou que não respondem aos medicamentos anti-hipertensores e assim contribuir para uma diminuição do risco de complicações cardiovasculares associadas à hipertensão. 

Como pode ser feita a prevenção? 

A prevenção da hipertensão arterial é essencial para reduzir o risco de doenças cardiovasculares e outras complicações de saúde. Pode manter a pressão arterial controlada com uma dieta equilibrada, adotar uma dieta rica em frutas, vegetais, grãos integrais e laticínios com baixo teor de gordura. Reduzir a ingestão de sal é crucial, pois o excesso de sódio pode aumentar a pressão arterial. Praticar exercício físico moderado, como caminhar, nadar ou andar de bicicleta, durante pelo menos 150 minutos por semana, pode ajudar a manter a pressão arterial em níveis saudáveis. O excesso de peso é um fator de risco para a hipertensão. Perder peso, mesmo que apenas alguns quilos, pode fazer uma diferença significativa na pressão arterial. O consumo excessivo de álcool pode aumentar a pressão arterial, por isso deve ser moderado. Evitar o tabaco é fundamental, pois o fumo pode danificar os vasos sanguíneos e aumentar a pressão arterial. Técnicas de relaxamento, como meditação, ioga ou exercícios de respiração, podem ajudar a reduzir o stress e, consequentemente, a pressão arterial.

Qual é a prevalência em Portugal? 

Em Portugal, a hipertensão arterial é uma condição bastante prevalente. Estima-se que cerca de 42% da população adulta portuguesa seja hipertensa. Este valor é preocupante, especialmente porque muitos casos permanecem não diagnosticados ou mal controlados.
A prevalência da hipertensão arterial é mais frequente à medida que a idade avança, sendo frequentemente observada em indivíduos com mais de 65 anos. 

Afeta mais homens do que mulheres ou é algo idêntico?

A hipertensão arterial tende a afetar homens e mulheres de maneira ligeiramente diferente ao longo da vida. Em geral, antes dos 65 anos, a hipertensão é mais comum em homens. No entanto, após a menopausa, a prevalência de hipertensão em mulheres aumenta e, em alguns casos, pode até ultrapassar a dos homens. Estas diferenças podem ser atribuídas a fatores hormonais, como a proteção conferida pelos estrogénios antes da menopausa, bem como a diferentes padrões de comportamento e estilo de vida entre os géneros. Além disso, as mulheres podem enfrentar desafios específicos relacionados com a hipertensão, como durante a gravidez, com condições como a pré-eclâmpsia.

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