A pouco mais de 10 dias das eleições Legislativas - as terceiras em três anos -, e depois de um apagão que deixou o país (e várias localidades de Espanha) às escuras, o Notícias ao Minuto esteve à conversa com Rui Tavares sobre o projeto do Livre para o país.
Sobre corte de energia, o líder do partido e candidato a primeiro-ministro deixa as conclusões para os peritos, mas acusa o Governo de falhar na comunicação ao país. Assim como na prevenção de casos como este.
Aliás, para Rui Tavares não é só nesta questão que o Executivo está a comprometer o país. Do SNS às escolas públicas, passando pela crise na habitação, cujas medidas laranja puseram os portugueses "a ser fiadores de pessoas que mais podem comprar casa", há muito por fazer e melhorar.
Apesar de admitir a possibilidade de fazer uma solução à Esquerda, não se esquece que esta perdeu a "confiança" de muitos portugueses com o "colapso" da geringonça e por, muitas vezes, ficar "resumida a uma postura defensiva" ou "regulatória".
Rui Tavares apela por isso ao voto no Livre, partido que, garante, "reivindica a liberdade à Esquerda".
Apagão? O Governo não esteve à altura. E isso temos de o dizer claramente. A informação não foi dada a tempo
Vamos começar por um assunto que marcou os últimos dias de abril: o apagão do dia 28. Acha que este problema poderia ter sido evitado?
Ainda não sabemos a causa e enquanto não soubermos a causa não temos como saber como é que poderia ter sido evitado. A causa vai ser determinada por perícias técnicas e é assim que tem de ser. O que poderia ter sido evitado é a partir do momento em que ocorre o apagão. Por exemplo, termos sistemas que nos permitam, desde logo, comunicar mais atempadamente, mais cedo. Poderíamos também ter tido mais preparação em termos da sociedade civil. Em dezembro do ano passado, o Livre organizou um debate, na Assembleia da República exatamente sobre estas coisas. Lançamos o desafio ao Governo de pensar a distribuição de kits de emergência diretamente à população, a partir de lugares como a junta de freguesia ou quartéis de bombeiros. Nós estamos num momento de debate europeu em que as questões de emergências, de situações de crise – desde logo por causa da pandemia, de situações de guerra, das possibilidades de sabotagem, por causa das questões das alterações climáticas – estão em cima da mesa. E, em novembro do ano passado, foi entregue à União Europeia (UE) um relatório que faz recomendações muito práticas à cerca de como preparar melhor a sociedade para este tipo de eventos e o Livre trouxe este tema a debate. Infelizmente, o primeiro-ministro não esteve presente, nem o ministro das Infraestruturas, nem a ministra da Saúde, nem o ministro da Agricultura. Esteve apenas a secretária de Estado da Defesa. E este é um indicador de como o Governo não levou a sério o que o Livre já levava a sério.
O que poderia então ter sido feito?
Algo que poderia ter sido acelerado, por exemplo, é podermos passar a utilizar um sistema que é o 'Cell Broadcast', que é difusão por bases de rádio, junto das antenas das operadoras de telemóvel, em que a mensagem vai para os nossos telemóveis através de rádio. Utilizado em vários países mais ricos do que Portugal, como os EUA, mas também mais pobres, como a Tailândia. É um sistema muito útil para países que têm muitos turistas, como nós, porque a mensagem vai, em simultâneo, para todos os telemóveis e não só para os telemóveis que têm números de redes portuguesas. Portanto, podemos georreferenciar uma mensagem e enviar uma mensagem diretamente para todos os telemóveis que estão numa certa área geográfica, inclusive os turistas.
Mesmo que não tenham rede de telemóvel?
Sim. A questão é que as torres estão preparadas para isso, as operadoras estão preparadas para isso, mas ,segundo o que nos foi comunicado pelo ministro das Infraestruturas, ainda não tinha sido assinado o protocolo que possibilitava a existência desse sistema que, como digo, já está bastante expandido em vários países e que teria a vantagem de ter ido mais cedo e para toda a gente. Embora este sistema só funcione enquanto os geradores das torres estiverem a funcionar, ou seja, para funcionar, era necessário ter enviado uma mensagem não a meio da tarde, como aconteceu, mas quando os geradores ainda estavam a funcionar, para chegar a toda a gente, quer tivessem rádio ou não.
Até porque isto ainda tem um detalhe que é muito importante. Claro que a rádio foi um elemento essencial de comunicação no dia do apagão, mas não nos podemos esquecer que temos uma população que não ouve, uma população surda, que pode ficar completamente isolada em casa e sem perceber o que se está a passar, se não tiver uma mensagem por escrito, como este sistema possibilita.
Acha, portanto, que a comunicação do Governo durante o apagão ficou aquém do necessário?
O Governo não esteve à altura. E isso temos de o dizer claramente. A informação não foi dada a tempo. Mesmo que não pudessem dar a informação toda, uma vez que o Governo não sabia (nem sabe) tudo, mas era essencial poder dar informação o mais cedo possível. A questão da demora na comunicação é uma falha do Governo e uma falha séria. A questão de não ter dado atenção a alertas como aquele a que o Livre lançou há cinco meses. Isso podia ter permitido avançar, por exemplo, com os kits de sobrevivência, que, agora, as pessoas percebem que são importantes. Isso também permitiria ter avançado mais, por exemplo, na discussão de temas como este da difusão por rádio para os telemóveis, que também é muito relevante.
Além disso, é essencial haver protocolos para comunicação entre os órgãos de soberania. O presidente da Assembleia da República (AR) ficou incontactável e é a figura número dois do Estado. É impensável que não tenha um telefone por satélite. Ora, esses telefones existem, estão à disposição do Estado português e tem de haver uma distribuição por algumas personalidades essenciais. Imagine que se tratava de uma situação mais grave e era preciso decretar estado de emergência. Não se pode fazer isso sem poder comunicar com o presidente da AR e eu diria que até os líderes dos grupos parlamentares. De facto houve uma tentativa de organizar uma reunião, na segunda-feira (28 de abril), por volta das 18h. Essa tentativa falhou porque as pessoas não estavam contactáveis, apesar de algumas, como foi o meu caso, se terem deslocado para a AR e terem esperado. Eu estava na AR, o Palácio de São Bento está à distância de uma escadaria e ninguém veio do Executivo até à AR para manter informados os grupos parlamentares.
A razão pela qual defendemos que a REN deve ser pública não tem a ver com o facto de garantirmos ou não que há apagões
Quanto à REN, acha que o apagão deixou claro que esta nunca devia ter sido privatizada e que o próximo Governo deve assegurar que esta continua a ter uma função social e pública?
Sim. Claramente, a REN não deveria ter sido privatizada. Nós somos contra a privatização de estruturas críticas. No entanto, para sermos completamente rigorosos, nós não sabemos se, com uma REN pública, isto não teria acontecido. A razão pela qual defendemos que a REN deve ser pública não tem a ver com o facto de garantirmos ou não que há apagões. Qualquer político que diga que com ele não havia apagões está a ser ignorante, ou está a mentir. Os apagões podem acontecer. Este evento é insólito. Nós não conhecemos as causas e não vale a pena estar a querer antecipar, injetar política em algo que deve ser técnico e que ainda vamos conhecer como deve ser.
No entanto, infraestruturas críticas por razões de soberania e independência devem ser mantidas como públicas. Isso quer dizer que, se houver uma oportunidade de fazer a reversão - e se ela for financeiramente razoável - ela deve ser feita. Porém, achamos que, neste momento, o que é possível fazer é determinar o Estatuto dos Bens Públicos, assegurá-lo contratualmente com os concessionários desses bens públicos e fazer o melhor que pudermos fazer, numa situação que não é a ideal, uma vez que a REN devia ser pública à partida mas é a possível.
Uma das medidas do programa eleitoral do Livre que tem dado mais que falar é a Herança Social. Como é que funcionaria? E qual o objetivo?
A Herança Social funcionaria de forma análoga ao abono de família, exceto no seu financiamento, que nós consideramos que não deve vir da Segurança Social porque devemos preservar o dinheiro da Segurança Social para as funções que ele tem e este deve até ser reforçado. Tal como o abono de família, é para residentes em Portugal, que estejam inscritos na Segurança Social e que tenham número de identificação fiscal, ou seja, que sejam contribuintes de impostos em Portugal. É criada uma conta poupança de 5 mil euros, em nome do bebé que acabou de nascer, mas pode ser modelada, tanto nos juros como na própria prestação em relação aos anos em que a pessoa foi, efetivamente, residente em Portugal. Trata-se de uma emissão de certificados, pode até ser uma emissão especial. Se tivermos os juros em linha com o que temos hoje em dia, esses 5 mil euros serão à volta de 8.500 aos 18 anos. Isso pode fazer a diferença no momento em que uma pessoa sai de um curso profissional e precisa de comprar o material necessário para iniciar a sua profissão ou quer juntar-se com outros sócios ou amigos e criar uma pequena empresa. Ou quer pagar as propinas do mestrado, iniciar família, juntar-se e ter o dinheiro para uma entrada de uma casa.
Em Portugal somos um país muito desigual. Algumas pessoas – que são uma minoria – terão ajuda dos país ou uma herança de um parente longínquo. A maior parte da população portuguesa, da classe média-baixa, não vai ter isso e é justo que tenham oportunidades mais equivalentes. Que uma pessoa que venha de uma família rica tenha as oportunidades a que tem direito, mas que uma pessoa que vem de uma família pobre não fique a marcar passo e tenha possibilidades de fazer escolhas no momento de entrada na vida adulta. É esse o objetivo da herança social.
A garantia jovem do Governo, basicamente, o que faz é por todos nós contribuintes a ser fiadores de pessoas que contraem empréstimos na banca
Quanto à habitação, um dos setores que mais impacto negativo tem tido na vida dos portugueses nos últimos anos, o Livre tem várias propostas, entre as quais a da Ajuda de Casa para os jovens. Em que difere da garantia jovem do atual Governo?
É uma diferença muito grande. A garantia jovem do Governo, basicamente, o que faz é por todos nós contribuintes a ser fiadores de pessoas que contraem empréstimos na banca. Do nosso ponto de vista isso é injusto e indesejável. É injusto porque podemos vir a estar numa situação na qual, a seguir a uma crise financeira, como já tivemos no passado, se ficamos nós na linha das garantias por crédito que fique mal parado, lá temos de ir outra vez salvar os bancos e os bancos vão dizer que deram estes empréstimos porque a garantia era o Estado. Além disso, só pessoas que têm rendimentos mais altos ou que têm a ajuda dos pais é que podem aderir a esta medida do Governo. No fundo, estamos a ser fiadores de pessoas que mais podem comprar casa, o que é injusto.
E o que propõe o Ajuda de Casa em alternativa?
O programa Ajuda de Casa que o Livre propõe em substituição da Garantia Jovem é uma verdadeira parceria publico-cidadã entre o Estado e a pessoa que precisa de uma entrada para a sua casa. O Estado adianta o dinheiro para a entrada, através do fundo Ajuda de Casa que será limitado - por exemplo, um fundo de 100 milhões de euros pode começar por ajudar 2 mil pessoas e depois vai-se alargando – a pessoa tem um período de carência para poder pagar esse empréstimo e, enquanto não o fizer, a casa é copropriedade do cidadão e do Estado. O que quer dizer que até um limite de 30% e com determinadas condições, o Estado põe esse dinheiro, ou seja, o fundo Ajuda de Casa. As casas que podem ser compradas com esse dinheiro têm de ser até uma determinada média do preço por metro quadrado naquele município, para não estarmos a apoiar casas a preço especulativo. E, durante o período em que o cidadão ainda não devolveu o dinheiro ao Estado, existe condicionalismos para revenda ou arrendamento da casa e existe uma proibição de utilizar a casa para Alojamento Local. A casa ou é para habitação própria permanente da pessoa que a comprou a meias com o Estado, ou é arrendada a preços acessíveis ou é revendida dentro do mesmo sistema de venda de casa. Como, entretanto, a casa pode ir valorizando e os 30% que o Estado meteu cresceram, isso significa que o fundo é sustentável e pode ir crescendo. Isto é, podemos começar por apoiar 2 mil pessoas e, nos anos sucessivos, ir alargando o número de beneficiários e, evidentemente, o próprio Estado também pode ir aumentando o fundo se se provar que este sistema é eficaz e tem sucesso. Nós não ficamos fiadores de nada, não ficamos com um problema de crédito mal parado, não ficamos na linha para salvar a banca mais para a frente. O que temos é um contrato específico entre o Estado e o cidadão, nomeadamente de classe média baixa ou jovens, que hoje em dia nem têm coragem de pedir um empréstimo. Assim, este cidadão já pode ir ao banco dizer que quer ver empréstimos para a compra de uma casa, porque já tem 30% da casa através do programa Ajuda de Casa, falta só 70%.
Hoje em dia, os jovens nem têm coragem de entrar no banco porque, evidentemente, o banco não lhes empresta. E isso é preciso resolver
A medida não evita é a especulação de preços das casas…
Esta medida em específico dirige-se, principalmente, ao apoio de compra de casa por parte de categorias que hoje em dia não podem aceder à compra de casa. Pretende resolver uma fratura social e geracional que já temos em Portugal. Os ricos compram casa, os pobres e a classe média não conseguem comprar. Isso quer dizer que, mais à frente na vida, não têm aquela reserva de valor que uma casa também serve. Que pode ter uma segunda hipoteca, caso a pessoa venha a precisar porque teve um revés na vida, pode eventualmente vender porque quer uma casa maior porque a família cresceu e isso, neste momento, a classe média/baixa não tem acesso a isso, nem os jovens. Quando era jovem comprei uma casa aos 27 anos. Tinha sido bolseiro, a recibos verdes e, na altura, os bancos emprestavam. Emprestavam porque havia crédito bonificado e hoje em dia, as pessoas que têm a idade que eu tinha naquela altura, praticamente nem têm coragem de entrar no banco porque, evidentemente, o banco não lhes empresta. E isso é preciso resolver.
E para combater a especulação o que é que o Livre propõe?
Por exemplo, o aumento dos impostos (IMI) que são pagos pelas casas que são compradas por pessoas que nem são nem contribuintes, nem residentes e que são basicamente insensíveis aos preços. Nós temos muitos milionários e multimilionários que chegam a Portugal, compram uma casa a pronto, claro que isso é legal, no entanto, tem o lado negativo de puxar o mercado todo para o setor da casa de luxo vendida a pronto. Os agentes imobiliários, os proprietários, os construtores, acham que isso é um tipo de cliente muito vantajoso. Paga a pronto, não necessita de papelada, não discute o preço. Só que isso foi puxando as casas todas que estão disponíveis e as que estão a ser construídas neste momento para esse mercado que é muito apetecível. Devíamos então taxar esse mercado com uma taxa suplementar, para arrefecer uma atividade que, não sendo ilegal, está a produzir consequências indesejáveis para o resto do mercado.
Recentemente desmentiu Luís Montenegro, quando o primeiro-ministro disse que o estado da Saúde em Portugal estava melhor que há um ano. Se pudesse implementar já três medidas para reverter a "degradação" do SNS quais seriam?
Luís Montenegro está enganado ou a tentar enganar-nos porque temos uma situação de degradação do SNS que não foi revertida e, tal como em qualquer declínio, se isso não acontecer, vai-se agravando, acentuando e a situação fica, como que por inércia, sempre pior. Uma das medidas que o Livre implementaria tem a ver como o investimento público em Saúde, que ainda precisa de ser aumentado e que tem sido uma das principais faltas em Portugal. Há desinvestimento público não só na Saúde, como noutras áreas. Mesmos os investimentos tradicionais do Governo anterior, não são suficientes. Nós defendemos que haja, aquilo a que chamamos um compromisso de equidade e investimento que é, no primeiro trimestre do ano discutir sempre a utilização do excedente orçamental, quando ele existe, como é o caso presente e que haja área especificas de investimento para que o excedente não esteja a ser utilizado por cada primeiro-ministro a seu belo prazer, como pré-campanha eleitoral, que é o que nos tem acontecido. Portanto, mais investimento público.
A segunda medida, ao contrário da primeira, custa zero euros. Tem apenas a ver com o enquadramento legal que tem a relação entre o SNS e os privados. Segundo a lei de base, essa relação deve ser de complementaridade. Não é a realidade que temos hoje. Hoje em dia temos uma concorrência feroz só que essa concorrência é desleal. Os privados sabem tudo à cerca do SNS. As grelhas salariais, o número de procedimentos, o número de camas e por aí fora. E nós não sabemos nada à cerca dos privados. Portanto, quando se diz que é preciso pagar mais aos médicos, muito bem, mas nós não sabemos quanto é que o privado está a oferecer. E esta assimetria na informação é usada para rebentar com o SNS e, mais à frente, para deprimir as remunerações dos próprios médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde que foram drenados do SNS para os privados. Esta é uma medida de particular bom senso, até qualquer liberal deveria concordar com ela porque sabe que só há concorrência legal quando há a mesma informação para todo o lado.
A terceira medida é o programa Regressar Saúde para profissionais de saúde. Semelhante ao programa ‘Regressar’ que já temos, eventualmente com outras medidas, para atrair profissionais de saúde, por exemplo, a virem para uma rede mais alargada de Unidades de Saúde Familiar de modelo B, que pretendemos alargar e que é um dos elementos essenciais para o nosso plano da Saúde. Isso permite ir buscar diretamente profissionais que já estão formados, em vez de estarmos a formar novos.
Quanto à Educação o que acha que é necessário fazer já para que, em setembro, a falta de professores e de aulas não regresse, junto com os estudantes, também às escolas?
É absolutamente necessário tornar a carreira de professor mais atrativa e desejável, mais invejável. Ser professor é uma vocação e uma profissão. Estou absolutamente certo que há muitas pessoas que sentem a vocação, sentem vontade de dar aulas, foram moldadas por professores fantásticos que tiveram, mas têm medo de abraçar a vocação por causa de tudo aquilo que a profissão de professor tem perdido, tanto em termos de rendimento, como de capital social. Além da imagem de ser uma profissão muito burocratizada hoje em dia, com pouca autonomia.
Para tornar a profissão de professor mais invejável temos de ter em conta, em primeiro lugar, a problemática casas. Hoje em dia é muito difícil para um jovem professor como para uma professora de substituição, por exemplo, vir para cidades do litoral, cidades turísticas, que têm preços muito altos nos arrendamentos, despesas essas que não podem lá chegar. O ministério da Educação tem no seu património muito edificado, espalhado pelo país, que pode ser colocado ao serviço de novos apartamentos, de estúdios unifamiliares, por aí fora. Se a profissão de professor vier com uma casa agarrada, nomeadamente em distritos onde é muito difícil arranjar casa – Lisboa, Setúbal, Faro, etc – imediatamente o desejo de ser professor aumenta imenso.
Além disso, temos de por as escolas no centro da comunidade, com o nosso programa ‘Escolas Solares’. Tornar as escolas mais autónomas em termos energéticos. Produzirem mais energia do que a que consomem pode ser a ponta de lança daquilo a que chamamos comunidades de energia. A lei já prevê isso, mas é muito difícil as pessoas organizarem-se para constituírem as comunidades de energia, mas se houver uma escola de bairro que tome essa dianteira é mais fácil. Isso significa dar centralidade à escola na comunidade.
E como é que isso se faz?
É necessário abrir as escolas ao fim de semana, por exemplo, para eventos desportivos e culturais. Sabemos que há vontade por parte dos diretores e professores de terem autonomia suficiente para terem este tipo de projetos mais inovadores. No entanto, é necessário desencarcerar as escolas das suas burocracias e da rigidez que o Estado lhes impõe.
Devemos ter escolas públicas livres, em que os próprios professores possam tomar a dianteira do projeto pedagógico especializado. Ter uma Soares dos Reis da Ciência ou do Jornalismo, ou das línguas. Uma escola Pública internacional, que permita competir com os privados pelos alunos, pelas famílias, que hoje em dia têm muito a sedução dos privados pela questão das línguas. Porque têm um ensino bilingue, porque têm ofertas de coisas como mandarim e línguas mais raras. Tenho a certeza que há professores para isso. O que os professores mais têm é vontade de ensinar. Portanto, se nós lhes dermos liberdade para poderem ensinar de maneira diferente nas nossas escolas, estas vão ser também mais atrativas, principalmente para a classe média, que tem optado muito pelo privado, enfraquecendo o ensino público.
Quando falam em construção de uma Defesa Europeia o que é que, na prática, o Livre está a defender?
Estamos a falar de Segurança e Defesa no sentido lacto e não só de conflito militar. Isso inclui preparação para as alterações climáticas, eventos extremos, desastres ambientais. Portugal tem de estar mais interligado e procurar os parceiros que partilham os mesmos valores connosco. Temos de procurar parceiros como o Reino Unido, Noruega e Islândia e, no quadro do Atlântico Norte. Aproximar-nos desses parceiros, que já têm uma ligação com o Ártico e Portugal deve aderir ao Conselho do Ártico como observador. Espanha está no Conselho do Ártico e não têm o mesmo interesse e a mesma projeção que nós temos por causa dos Açores.
Açores? Esse é um tema sobre o qual devemos falar com muitas cautelas porque vimos exatamente como foi a atitude de Trump em relação à Gronelândia
Acha que os Açores são um ponto estratégico para Portugal e que é necessário cuidado no putativo interesse da administração Trump pelo arquipélago?
Esse é um tema sobre o qual devemos falar com muitas cautelas porque vimos exatamente como foi a atitude de Trump em relação à Gronelândia. Uma atitude expansionista, altamente irresponsável e desrespeitadora da soberania da Dinamarca e da própria soberania regional da Gronelândia, que são nossos parceiros. Nós devemos levar essas obrigações de solidariedade e de assistência mútua muito a sério, porque a solidariedade que a Dinamarca precisou – política, mais simbólica, mas que também pode vir a ser mais prática– pode ser aquela que nós no futuro precisamos, caso comece a haver algum discurso do mesmo tipo acerca dos Açores. Ao mesmo tempo, acho que devemos ser muito cautelosos, devemos assegurar-nos que os territórios das nossas regiões autónomas devem ser apoiados na edificação de infraestruturas críticas, na sua defesa e naquilo que a Constituição chama de continuidade territorial, que deve sempre ser assegurada.
Portugal, do ponto de vista geopolítico, é um país muito interessante porque é capaz de ser dos países mais pequenos do mundo que pode ser considerado tricontinental. Tem ilhas na placa africana e ilhas que já estão na placa americana e já mais próximas da América do que da Europa. Portugal é praticamente um caso único, como uma Zona Económica Exclusiva (ZEE) enorme, com conexões, através da sua diáspora e lusofonia, que são muitíssimo importante, é um das situações em que não nos apercebemos de como Portugal é um país rico.
Quanto à imigração, que tem sido dos temas mais debatidos entre a Direita e a Esquerda e mesmo entre a sociedade portuguesa nos últimos anos. Portugal está ou não a debater-se com um problema de excesso de migrantes?
Acho que toda a gente concorda que a imigração é parte da nossa realidade e que vai continuar a ser parte da nossa realidade e que é uma parte importante da nossa realidade. A questão é que pode ser bem feito ou mau feito e isso está relacionado, principalmente, com a cadência, documentação, regularização das pessoas, que defende a elas e a nós todos. Passou a ser uma banalidade dizer que toda a gente defende uma imigração regulada, legal, documentada e que temos de ter esses canais legais de imigração. Ainda bem. Eu já defendo isso há muito tempo. Mas agora devemos então tirar as outras consequências. Se os números de migrantes são aqueles que o Governo revelou há pouco tempo – não tenho como fazer uma investigação independente – é capaz de haver ali muitos números misturados, mas vamos supor que são mais de um milhão, como dizem. Isso significa que para lidar com essa realidade não podemos ter apenas umas centenas de funcionários a tratar de papelada. Temos que ter mais gente e fazer crescer os serviços da AIMA e os serviços que lidam com as questões de imigração. Porque, senão, passamos a ter atrasos, a ter falhas e passamos a não conseguir dar resposta às situações que são justas e com isso acabamos a beneficiar o tráfico de seres humanos, a imigração irregular ou ilegal e os patrões pouco escrupulosos que exploram estes imigrantes.
E como podemos combater isso?
Temos de reforçar esses serviços não apenas em pessoas que tratam da burocracia, mas também nas interligações com outros ministérios todos em que possam ser relevantes. Para as aulas de português, para as aulas de integração na comunidade. Vejo muitos políticos que querem que os imigrantes respeitem a nossa cultura, mas nunca os vejo os próprios políticos a respeitar a nossa cultura investindo nela e muito menos os vejo a falar à cerca de transmiti-la aos nossos imigrantes. Nós temos boas experiências internacionais que nos dizem como é que isso pode ser feito. Com as aulas de línguas, com a abertura das escolas em período noturno e, também, com a criação de instituições comunitárias que facilitem o encontro social e comunitário para que as pessoas se conheçam, se tornem novos e bons vizinhos, se compreendam e que o próprio país se dê a conhecer, inclusive, no processo de nacionalidade. Vejo, por exemplo, a IL agora a dizer que quer iniciar um debate para passar a aquisição de nacionalidade de 6 para 10 anos, que no fundo é ir atrás do Chega e dos votos da extrema direita, mas não os vejo a preencher esse período. A questão não é se demoram 6 ou 10 anos a adquirir nacionalidade. Um processo de aquisição de nacionalidade não é só dominado pela questão do tempo. Em vários países, quando as pessoas adquirem a nacionalidade, existem questões de formação, de transmissão de informação e até de compromisso das pessoas, através de juramentos, de um compromisso legal, em que a pessoa também de certa forma garante que partilha os valores constitucionais da nossa sociedade.
A extrema-direita está a fazer Portugal falhar numa coisa que, historicamente, sempre conseguimos acertar, que é conseguir criar comunidade e uma sociedade com uma boa coesão
Portugal foi sempre visto como um país acolhedor, acha que isso está a mudar?
Todos queremos integração, todos queremos segurança. Todos queremos coesão e comunidade. Isso são valores básicos humanos que as pessoas pretendem. Mas às vezes encontram e não encontram resposta a estes anseios. Ora se queremos fazer isto bem feito temos de olhar para o que já fizemos no passado, por exemplo, quando Portugal conseguiu fazer o processo de repatriação dos chamados retornados. Portugal é um país que tem capacidade de criar os tais novos e bons vizinhos, novos e bons amigos e até novos e bons parentes. Não há razões para acreditar que os portugueses tenham desaprendido essa função da comunidade e da coesão social. Agora é preciso investir nisso e é preciso saber fazer um discurso que contraria essa criação de mitos, preconceitos e ódios nos quais a extrema-direita está a apostar, para fazer Portugal falhar numa coisa que, historicamente, sempre conseguimos acertar, que é conseguir criar comunidade e uma sociedade com uma boa coesão. Vimos isso durante a pandemia e até no apagão do dia 28 de abril. O nosso país presa muito a entreajuda, a solidariedade, mas para isso é preciso existir momentos para que as pessoas se conheçam. Isso faz-se nas associações de pais, nas escolas e com a AIMA reforçada, que saia das burocracias. Quem vai fazer a maior parte disto tudo são as pessoas individualmente, é preciso é dar um empurrão no sentido certo.
Disse recentemente numa entrevista que o Livre está pronto para assumir funções executivas. Está pronto para fazer uma aliança com o PS ou com toda a Esquerda? Ou há algum partido desta ala política com quem não formaria uma alternativa de Governo à AD e IL?
O Livre claramente não exerce nenhum veto sobre parceiros, desde que sejam partidos progressistas. Deixamos muito claro que se houver um Governo de Direita nós estamos na oposição, se houver um Governo de Esquerda nós somos parte da solução. A maneira como deixamos claro o que pretendemos é através de elementos essenciais para começarmos a conversar.
Quais os que gostaria de destacar?
Dois têm a ver com a boa governação. Que não seja permitido a um primeiro-ministro ter o tipo de empresa que Luís Montenegro tinha e que se não a quiser fechar ou vender, a coloque numa gestão profissional independente. Que os ministros venham a uma audição prévia no Parlamento logo que isso seja legalmente possível. Do ponto de vista das políticas sociais, nenhuma privatização do SNS e reforço do investimento em habitação e educação. E, do ponto de vista das questões europeias e internacionais, uma linha vermelha para nós é o abandono à Ucrânia. Para nós o apoio à Ucrânia é para ser mantido e não apoiaremos nenhum programa de Governo que possibilite o abandono do apoio à Ucrânia e, da mesma forma, queremos ver o reconhecimento da Palestina ser assumido pelo Governo e realizado logo no início da sua governação. São estes os nossos sete elementos negociais que permitem começar a conversar sobre um programa de Governo a ser apresentado à AR.
Na sua opinião porque é que nenhum Governo português reconheceu, até ao momento, a independência da Palestina e que consequências acha que esta posição pode trazer para Portugal?
Em primeiro lugar, acho deplorável que nunca tenha sido feito. Há anos e anos de resoluções da AR a apelar ao Governo para reconhecer a independência da Palestina. Pelo menos desde 2014, quando ainda tínhamos uma maioria de Direita na AR. Ainda do tempo de Passos e de Portas. Os Governos da atualidade tiveram todas as oportunidades para reconhecer a independência da Palestina. Aliás, estranhamos que nem Bloco nem PCP, no tempo da geringonça, tenham colocado essa condição. Devo lembrar que o Livre, em 2015, nas primeiras eleições legislativas a que concorremos dissemos isso claramente. Que só apoiaríamos um Governo que reconhecesse a independência da Palestina. Os governos têm optado pela diplomacia portuguesa do deixa andar, uma diplomacia muito timorada, para não dizer mesmo, a certo momento, cobarde. Tivemos oportunidades para o fazer quando a Bélgica, a Espanha e a Eslovénia reconheceram a independência da Palestina, ainda durante o tempo que estava António Costa no poder, e não o fizemos. Portanto, qualquer Governo que seja apoiado pelo Livre ou que o Livre faça parte, terá de reconhecer a Palestina como estado independente e soberano.
Se a Esquerda não pensa no futuro e em ter novos objetos de desejo político ela fica muito resumida a uma postura muito defensiva ou, no máximo, a uma postura muito regulatória. Não entrega coisas novas
Por fim, que tipo de posicionamento devia ter a Esquerda para contrariar os resultados das últimas sondagens e conseguir ganhar as eleições Legislativas de 18 de maio?
A Esquerda perdeu cerca de 800 mil votos. Muitos destes eleitores, possivelmente, ainda têm valores da Esquerda, valores progressivos, da justiça social. Se votaram à Direita nós temos de nos perguntar porquê. Eu acho que, em primeiro lugar, depois de terem esperado durante muitas décadas por uma capacidade da Esquerda de ser pragmática, de se conseguir entender, de ter essa responsabilidade, de fazer compromissos, o colapso da geringonça - cuja solução deixou o eleitorado de Esquerda muito satisfeito, num primeiro momento - levantou desconfianças. Desde essa altura, 2019, nunca mais tivemos uma eleição normal, que ocorra sem uma crise política. Aprender essas lições teria sido importante. É preciso reconstruir a confiança dos eleitores à Esquerda.
Em segundo lugar, é muito importante voltar a falar de liberdade. O Livre claramente é o partido que reivindica a liberdade à Esquerda. Deixamos que liberais e extrema direita papagueassem muito a liberdade, mas, no caso da extrema-direita, é uma liberdade que é completamente falseada porque quando eles se apanham no poder são mais autoritários que outro partido. E a liberdade dos liberais é muito desidratada, muito fraquinha. E a liberdade é muito mais do que menos Estado e menos impostos. Para cada um é uma coisa diferente.
Por fim, a Esquerda tem também de voltar a fazer coisas, coisas novas. Políticas sociais inovadoras, como a herança social. Se a Esquerda não pensa no futuro e em ter novos objetos de desejo político ela fica muito resumida a uma postura muito defensiva ou, no máximo, a uma postura muito regulatória. Não entrega coisas novas. Casas, instituições, escolas, redes de transporte público. A Esquerda tem que voltar a olhar para as regras da contratação pública, para as regras dos projetos públicos e torná-las mais transparentes, mais céleres, mais eficazes, para garantir que não há nem corrupção, nem problemas ambientais mas que as coisas se fazem depressa. Nós temos muitas obras do Estado que foram começadas mas nunca foram acabadas, o que gera descrença entre as pessoas.
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