“Eu via a Eurovisão com os meus avós”, conta Fábio Silva. “O meu avô sempre adorou música. Tenho os primeiros álbuns da Céline Dion, ainda quando só cantava em francês, da Mariah Carey, dos The Beatles,... e sempre vi espetáculos de música com ele”.
Mas foi em 2006, em particular, que “brotou” em Fábio “um bichinho” pela Eurovisão. “Ganharam os Lordi, uma banda de rock. Estavam todos caracterizados de monstros. Eu estava a adorar aquilo e o meu avô a detestar”, recorda.
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Aquele momento, diz, foi “um marco”. “Percebi que (a Eurovisão) é um espaço seguro, de diferença, de aceitação”, conta. A partir daí, começou a dar mais atenção ao Festival. “Queria perceber o que é que se passava nos outros países. É muito interessante ver as diferenças, as raízes dos países, a cultura musical que representa cada um”, diz.
“Estamos a ouvir uma canção em albanês e não percebemos nada do que é dito, mas estamos a sentir alguma coisa. Mesmo antes de irmos ver a tradução de uma canção, já estamos a sentir”, aponta.
Fábio já viu a Eurovisão ao vivo em 2011, na Alemanha, e em 2018, em Lisboa. Este ano vai também a Basileia, na Suíça.
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Quando, em 2024, quis começar a criar conteúdos sobre a Eurovisão, chamou ao projeto pessoal Eurovision Haus. “Haus (casa) em alemão, porque queria que fosse um canto, um lugar onde pudesse ser eu próprio”, explica. Quis que fosse “um lugar seguro”, como sempre entendeu que o Festival da Canção e a Eurovisão deviam ser.
Por lá – no Instagram, no TikTok e no Youtube - tem feito, sobretudo, entrevistas aos artistas e vídeos de reação, mas a experiência nas redes sociais começou bem antes, quando, com a pandemia, se viu fechado em casa, a precisar de falar com alguém, e decidiu fazer um live no TikTok.
Apareceu um seguidor, começaram a falar e, de repente, “surgiu a ideia de fazer lives a comentar as canções do Festival da Canção e da Eurovisão”. O seguidor era Francisco Rodrigues.
A partilha de conteúdos surge, em parte, para combater a “falta de pessoas com quem falar” sobre o festival
Sempre existiu o hábito de ver Eurovisão na casa de Francisco. Tem memórias muito antigas desta que, só em 2010, se começou a tornar a “paixão” que agora é. "Com o passar dos anos fui assistindo, ganhando mais interesse e explorando”, conta.
“Ouvir as canções dos outros anos, estudar o tema e ficar entendido sobre o assunto” é parte do trabalho de um fã eurovisivo. Há que perceber as “dinâmicas”, as “histórias”, “conhecer os vencedores”.
A memória que “guarda para sempre” e pela qual “mais carinho” tem foi ter visto a Eurovisão ao vivo, em Portugal. “Eu entrei (no Altice Arena) e comecei a chorar desalmadamente”, conta.
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“O que é que isso interessa? Não interessa”, lembra-se de ouvir. “Os meus amigos próximos não viam e eu até era bastante gozado por gostar da Eurovisão”, conta.
Foi sobretudo pela “falta de pessoas com quem falar” sobre o assunto que começou a participar nos diretos sobre o tema e que, em 2021, criou o Portuguese Eurofan, atualmente presente no Instagram, Youtube, TikTok e Facebook.
Também Helena Almeida decidiu, em 2024, criar a página Eurovision By Helena para “colmatar” esta falta. “Eu consumia muito este tipo de vídeos que faço agora feitos por pessoas de outros países e não encontrava esses vídeos feitos em português”, conta.
"Sempre gostei de participar nas festinhas da escola, a dançar, a cantar e a Eurovisão dá-me essa parte do espetáculo"
Foi em 2017 que entendeu que efetivamente percebia “alguma coisa disto”. “Estava a ver que Portugal tinha hipóteses de ganhar, comecei a partilhar isso com as pessoas à minha volta, com a minha família, com os meus colegas de trabalho, com os meus amigos e toda a gente gozava comigo, a dizer «Helena, não vai acontecer, Portugal não vai ganhar»”.
Mas ganhou. E Helena tinha visto aquilo acontecer. “Foi um momento muito impactante para mim”, recorda.
Em 2023, Helena foi a Liverpool ver a MimiCat. Foi a primeira e única vez que assistiu ao vivo à Eurovisão.
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Olha, hoje, para o próprio gosto pela Eurovisão como natural. “Sempre gostei de participar nas festinhas da escola, a dançar, a cantar”, diz, “e a Eurovisão dá-me essa parte do espetáculo”. “Para além disso, sempre fui uma pessoa muito competitiva”, conta. E com gosto pela comunicação, fosse “a explicar a alguém como é que se faz um bolo” ou “nas apresentações da escola”. Por isso, também a decisão de partilha de conteúdos sobre a Eurovisão foi espontânea.
“Facilmente, podia ser um trabalho full-time”
No Youtube, Facebook, TikTok e no X, faz vídeos de reação sobre aquilo que sente quando ouve pela primeira vez as músicas, vídeos de previsão sobre quem vai passar à final e vídeos de análise, a seguir ao evento, sobre o que correu bem, o que a surpreendeu e o que já estava à espera.
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“Facilmente, podia ser um trabalho full-time”, diz Francisco. Mas, na verdade, é algo que muitos conciliam com um trabalho das 9h às 17h. “É um investimento do nosso tempo”, nota o criador de conteúdos, que passa por “às vezes, estar acordado até um bocadinho mais tarde” ou abdicar de certos planos.
De janeiro a março, há que acompanhar as finais nacionais, os festivais da canção lá de fora, nos países que os fazem, diz. Em abril "acalma" e em maio volta a ser “a loucura total novamente”. É no verão que têm maior descanso. “Estamos só à espera de notícias, mas não está efetivamente a acontecer nada”, explica.
Jovens incentivam-se uns aos outros para criarem os seus próprios projetos
Francisco começou por ir fazendo tops das músicas vencedoras. “Ia dando as minhas opiniões”, diz, mas todos os anos foi acrescentando novas ideias e iniciativas ao projeto. Começou a fazer lives a falar sobre o tema, criou um formulário para que as pessoas pudessem participar na análise que fazia das músicas e, este ano, pela primeira vez, gravou as suas reações às canções.
Francisco partilha a sua opinião, mas parte importante do projeto é fazer com que outros partilhem as suas também. É o que tem tentado fazer, dando voz a quem esteja a assistir aos lives.
O projeto de Francisco “juntou o útil ao agradável”. Sendo designer gráfico, encontrou neste espaço, uma forma de desenvolver também a área que tem vindo a trabalhar.
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“Eu nem sei porque entrei (no live)”, conta Alberto. “Estavam a falar sobre o Festival da Canção e, nesse direto, disseram que quem quisesse podia entrar para dar as suas opiniões”. Estava, na altura, de Erasmus, recorda.
Pouco tempo depois, estava a criar a sua própria página para falar sobre a Eurovisão, o Eurovision Here. “Inicialmente era um projeto em que eu ia fazer reações às canções, ia dar a minha opinião”. A certo ponto começou a sentir que tinha de “embarcar numa coisa mais séria”. “Comecei a criar de uma forma mais afincada”, diz, “comecei a tornar este meu gosto vivo e a eternizá-lo neste meu projeto”.
Alberto andou no teatro musical e no canto, mas o interesse pela Eurovisão nunca tinha surgido. Começou a acompanhar o Festival da Canção e a Eurovisão, em 2018. “Reunia sempre a minha família na sala para vermos todos em conjunto”, recorda.
As memórias que têm do Festival são antigas
“Sou daqueles casos que foi levado pelo Salvador Sobral em 2017”, confessa Alberto. Nesse ano, não viu a final e só mais tarde ficou a saber que Portugal tinha ganho. Mas a semente começou a brotar. “Eu queria perceber o que é que Portugal tinha ganho”, conta.
Ainda assim, a primeira memória que tem do Festival da Canção é antiga. “Foi em 2009 com a Flor-de-Lis. Lembro-me perfeitamente da atuação muito vívida, ainda só tinha seis anos, mas lembro-me”, diz.
Curiosamente, partilha-a com Filipe Cruz, criador da página pipsESC. “Lembro-me que a performance era muito colorida e é uma música de que eu ainda gosto muito”, diz.
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Em 2013, 2014, Filipe começou a assistir mais afincadamente aos festivais. “Estava sempre preso à televisão ou ao computador, depende de onde é que era transmitido, e eu gostava mesmo muito de ver aquilo, tinha 10, 11 anos, mas já era obcecado”, conta.
A criação de conteúdos abre portas aos jovens
Filipe começou a “ser um fã sério” em 2016. “Até me recordo que levei o computador para a mesa de jantar, porque eu queria mesmo muito ver a Eurovisão em direto, não queria estar a ver em diferido”, diz.
O primeiro Festival da Canção a que Filipe foi assistir foi em 2022. Também a primeira Eurovisão. Num mesmo ano, deu dois checks na lista. Em 2024, pela primeira vez, teve uma acreditação presencial para o evento.
Entrou para o mundo "eurovisivo" nas redes sociais em 2021 com um canal no Youtube, onde já ultrapassou os 500 subscritores, e, o ano passado, reforçou o projeto com uma conta no Instagram.
Para além disso, este ano surgiu “uma das maiores surpresas” do percurso de Filipe. Foi convidado a fazer parte de um podcast da Antena 1, o Falar pelos Dois, com Andreia Rocha. “É um daqueles sonhos que eu já tinha há muito tempo de fazer alguma coisa com o Festival da Canção, seja televisão ou rádio”.
Parte também importante do percurso de Filipe foi integrar a filial nacional da OGAE, Organização Geral de Apoio à Eurovisão, uma associação sem fins lucrativos que reúne apoiantes e simpatizantes da Eurovisão e promove atividades e iniciativas relacionados com o tema.
Associação oficial de fãs da Eurovisão em Portugal também tem apostado numa estratégia digital com os criadores de conteúdos jovens
Atualmente, vice-presidente da associação, Filipe entrou na OGAE em 2021 para “tentar modernizar os conteúdos que estavam a ser feitos”. “As páginas em geral estavam mortas”, “houve um ponto que havia três páginas de Facebook”, recorda. Queriam “tentar tornar a associação mais jovem, mais diversa também”, “conectar os fãs ao evento”.
“O início da OGAE aparece por uma necessidade dos jornalistas, da comunicação social, de haver um acompanhamento próximo da Eurovisão”, explica Luís Marques, presidente da OGAE Portugal, fundada em 1997 por Nuno Galopim.
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Segundo explica Luís Marques, presidente da OGAE Portugal, a associação começou por ter uma revista, a OGAEPT Magazine, páginas do Facebook e um website, mas “não era uma forma de comunicação muito evidente”. Em 2018, começaram a fazer uma aposta “mais intensiva na área digital”.
Viria, depois, a pandemia. “Deixámos de nos encontrar e tínhamos de ir ter com os sócios. É aquela velha máxima, se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé”, refere.
Nesse sentido, diz, Portugal tem-se destacado. As OGAEs de outros países, diz, “não têm apostado tanto na comunicação digital, têm estado mais a reboque de Portugal”.
Comunidade de fãs cresce por força das novas gerações
Entrariam para a equipa de comunicação da OGAE Portugal, entretanto, Fábio, atualmente, secretário-geral da associação, e Alberto, secretário do Conselho Fiscal, para ajudarem a pôr em prática a estratégia de comunicação.
Foi a pandemia que deu à OGAE Portugal uma “oportunidade enorme com a nova geração”, nota Luís Marques. Se antes os associados tinham maioritariamente mais de trinta anos e eram do sexo masculino, agora, diz, a associação tem “muitas mais inscrições de pessoas jovens, com menos de trinta anos ou mesmo de vinte e cinco anos, e de mulheres”.
E a OGAE Portugal, revela o presidente, “teve um grande crescimento no último ano”. “Já vamos quase para uma inscrição superior a três dígitos, quase para a centena de novos sócios”, refere.
“Para além de partilharmos opiniões, acaba por ser um trabalho de promoção dos artistas”
“Desde a nossa vitória, que tem crescido novamente o interesse, e acho que cada ano cresce mais, especialmente nas gerações mais novas”, diz também Francisco. A perceção que tem é de que a maior parte dos seus seguidores estão entre os 16 os 25 anos.
Já Helena afirma que no Youtube os conteúdos alcançam várias faixas etárias e de modo equilibrado. “No TikTok houve uma fase em que eu estava a abranger mais teenagers até aos 20, nas, na altura do Festival da Canção, cheguei a muita gente - no Instagram cheguei a um alcance de 100 mil contas, nunca tinha tido um alcance tão grande- e alcancei um público mais velho, pessoas com 40, 50 anos”.
Os jovens veem também aumentar os projetos e páginas criados sobre o tema. “Sinto que a comunidade tem crescido, e a meu ver, bem, porque, na verdade, aquilo que nós fazemos, para além de partilharmos opiniões, acaba por ser um trabalho de promoção dos artistas, que eu acho notável”. A comunidade, nota, fala não só da Eurovisão, mas também “do trabalho que os artistas continuam depois da Eurovisão”.
Jovens esperam uma Eurovisão com menos tensão que o ano passado
Para além das oportunidades que têm tido, desde estarem presentes no Festival da Canção, na Eurovisão e noutros concursos associados a chegarem aos artistas e às equipas por trás da organização, os jovens realçam como a experiência se tem feito também de conhecer e partilhar esta "paixão" com outras pessoas.
É sobretudo isso que esperam desta semana que muitos vivem a partir de Basileia, onde se realizam as semifinais e a final do Festival este ano.
“A Eurovisão não é só sobre as canções e as performances, é muito também sobre a união que se sente lá dentro, das pessoas que estão lá”, diz Filipe. “Espero que esse espírito seja reforçado este ano, porque eu sinto que no ano passado estava lá, mas um pouco desfocado por causa de todas as questões que estavam a acontecer”, acrescenta.
Polícia détem uma manifestante em Malmo, na Suécia, em protesto contra a guerra de Israel em Gaza
Johan Nilsson/TT
“O ano passado foi um ano muito difícil para os fãs eurovisivos, por causa de toda a tensão que se sentiu pela participação de Israel”, diz também Helena. “Gostava que esta Eurovisão fosse mais uma festa”, diz, ainda que reconheça que “é muito difícil dizer que a Eurovisão não é política, quando estão lá países a ser representados”.
“A Eurovisão existe, atualmente, já não por uma questão de um espetáculo de música, ultrapassou esta fronteira, tem valores essenciais e que, no momento atual, se tornaram emergentes: os valores da tolerância, da inclusão, da igualdade, do respeito, da paz”, diz Luís Marques. “A Eurovisão é essencial para fazer acreditar que conseguimos respeitar as nossas diferenças”, acrescenta.
É isto o que todos parecem querer. “Tal como o slogan diz, "United by Music", espero que assim seja", diz também Fábio, "que estejamos unidos pela música, acima de tudo. O resto, são extras”.
Mas fica, ainda assim, o desejo sobre Portugal e os NAPA. “Só quero que lhes corra bem e que venham lá com a melhor posição que consigam”, diz Francisco. “Acho que têm uma hipótese e que podem passar na semifinal onde estão”, afirma. Os jovens partilham a esperança e a confiança na banda madeirense.