“O Rock in Rio não foi pensado para ser um evento que acontece todos os anos. Foi pensado como um evento que acontece no tempo e que é capaz de gerar um impacto absolutamente avassalador. Devemos olhar para o Rock in Rio da mesma forma que olhamos, por exemplo, para o Europeu ou para o Mundial de futebol, que também não acontecem todos os anos“, entende Luís Soares, head of marketing do Rock in Rio, festival que decorre em Portugal de dois em dois anos.
“Se acontecesse todos os anos, deixava de conseguir criar o efeito de saudade e de novidade e, sempre que regressa, regressa com um novo storytelling, com novidades, com novos palcos e com diferentes conteúdos“, acrescenta em conversa com o +M.
O desafio de comunicar um festival bianual passa assim por “pensar no que se vai falar, quando não existe festival“. “Posso dizer que nunca tive tanto trabalho como este ano (em que não se realiza o festival), não só a planear o que é que vem para a frente como o que será diferente na próxima edição. Parte do nosso trabalho no ano off passa por trabalhar aquilo que será a relevância dos conteúdos, sendo que começamos a comunicação do festival 12 meses antes”, diz Luís Soares.
“E esse é sempre o desafio. O que é que vamos criar de novo e trazer de diferente? Na última edição foi a mudança do recinto, foram os 20 anos. Para a próxima edição temos assim de trabalhar em quais serão as novidades, os novos palcos, os novos conteúdos, as novas atrações, o storytelling”, acrescenta o head of marketing de 38 anos.
Isto tendo em conta que o Rock in Rio não se posiciona apenas como um festival de música, mas sim como um “festival de música e entretenimento”. “Ou seja, nós temos no nosso ADN a parte da comunicação como visceral. O que quer dizer que tudo o que fazemos em torno do Rock in Rio está envolto numa proposta e num cronograma de comunicação, porque o nosso intuito é gerar buzz, notícias e engagement com aquilo que é o nosso público e os nossos parceiros, as marcas, os patrocinadores e os stakeholders“, aponta.
Os desafios enfrentados pelo Rock in Rio em Portugal são vários, mas passam, fundamentalmente, por questões relacionadas com o mercado e a sua dimensão, com as mudanças de comportamento do público e com os desafios das novas tecnologias. “A nossa ambição enquanto marca e comunicação do nosso festival é que este consiga ser sempre o mais relevante possível no mercado, trazendo matérias e territórios que as pessoas se relacionem“, diz Luís Soares.
“E os desafios da comunicação são também os desafios do mundo atual, o que passa por conseguir trazer as pessoas de trás do ecrã para viver uma experiência ao vivo, para se poderem conectar e relacionar. E mais do que nunca esse é o nosso propósito enquanto festival e a nossa comunicação tem de ser direcionada para ajudar nessa solução, transformando o mundo num bocadinho melhor”, acrescenta o responsável.
Para Luís Soares, a sua responsabilidade e dos media em geral, passa também por “conseguir inspirar as pessoas, tornar o mundo um bocadinho mais humano e atingir e tocar a alma das pessoas“, entende Luís Soares.
“O que sinto hoje, infelizmente, é que as pessoas estão muito sozinhas no meio da multidão. Ou seja, estão mais conectadas que nunca, vivem o hype brutal da internet, mas depois faltam as conexões reais. Aquela coisa de ir a um concerto e cantar em uníssono, é aquilo que acho que faz com que se acredite numa sociedade melhor. O nosso papel, enquanto intervenientes culturais, profissionais de media e marketing, e as próprias marcas, não pode ser só de querer vender um produto e apostar em algoritmos e segmentação, sem ter propósito, mensagem ou conexão. Os festivais, a música e as marcas também devem ser capazes de irem além daquilo que é o algoritmo e a segmentação“, acrescenta.
Fazendo uma análise à evolução e ao atual panorama dos festivais em Portugal — numa altura em que o Meo Sudoeste e o Super Bock Super Rock não se realizam este ano –, Luís Soares entende que o setor “nunca esteve tão bem na vida”. “O que acho é que há uma reconfiguração do mercado em função dos novos tempos e do comportamento das pessoas“, defende.
“Nunca vi tanta potência na área dos eventos ao vivo, nunca vi tanta coisa a surgir nova como vejo hoje. O que acontece é que os conceitos evoluem, os conceitos modernizam-se e os festivais não são diferentes“, diz.
“Mas estamos a voltar àquilo que é a essência daquilo que os festivais sempre foram, que é o festival não ser só um show de artistas. Os festivais não surgiram enquanto contratação de artistas e venda de bilhetes — que é também o que as pessoas procuram –, mas sim enquanto fenómenos sociais do coletivo, agregadores de um fenómeno de socialização. O que torna os festivais tão especiais, é que eles não são um conjunto de shows, são uma experiência“, acrescenta o diretor de marketing.
No caso do Rock in Rio, o trabalho é assim feito para que este não seja apenas um festival de música, mas antes para ser “uma experiência coletiva e agregadora”. “A ideia é que as pessoas venham ver o seu show favorito mas tenham uma excelente experiência em família, amigos e familiares. Eu quase que diria que se houvesse uma fusão entre o Glastonbury e a Disneyland, daria o Rock in Rio“, afirma Luís Soares.
Em relação à sua equipa, Luís Soares explica que a sua “base e non-stop” é composta por dez pessoas, que vai começando a aumentar a partir de 12 meses antes de do festival até chegar às 150 pessoas a trabalhar na operação de comunicação e marketing durante os dias do evento.
Já em termos de agências, a equipa de marketing do Rock in Rio conta com a criatividade da Rockers e com a Dentsu Creative, assim como com o apoio da Dentsu Media e da iProspect (em termos de planeamento de meios) e da Lift (PR).
Apaixonado por música “desde que se lembra”, Luís Soares, que se considera um melómano, sempre se envolveu no mundo da música, das bandas e dos artistas. Ainda durante os tempos de liceu, acompanhava artistas e bandas de garagem, tendo começado a organizar festas na escola de Marco de Canaveses, de onde é natural, promovendo concertos com bandas locais e emergentes da região do Grande Porto.
Entretanto foi para a universidade de Coimbra, onde se formou em Turismo, Lazer e Património, tendo-se desde logo envolvido no associativismo da Associação Académica de Coimbra, pelo que se viu, passados uns anos, a organizar e a ser o responsável pela produção da Queima das Fitas, “muito por conta de ser um apaixonado por música e pela organização de eventos, numa altura onde a comunicação também já era muito importante”.
Em 2009 esteve à frente deste evento, produzindo aquela que ainda hoje acha que foi a mais bem-sucedida edição até agora, que registou um lucro de mais de um milhão de euros e que contou um “line-up muito interessante”, observa.
Foi a partir desse momento que Luís Soares soube o que queria fazer: trabalhar na área do entretenimento e da indústria dos eventos e festivais. Mas pensando que gostaria muito de trabalhar nesta área, considerou que não seria em Portugal que conseguiria fazer carreira, pelo que decidiu ir para Inglaterra. Primeiro, ao abrigo do programa Erasmus, estudou “Tourism and Management” no St. Mary’s University College, tendo depois feito o mestrado “Events Marketing and Management”, na London Metropolitan University.
Paralelamente, trabalhou como marketing consultant na China Business Network, integrando depois a Sony enquanto marketing & business development manager, até que assumiu a função de assistant talent agent no The Agency Group. Tem assim algumas experiências profissionais no Reino Unido sempre com o objetivo de trabalhar na área do agenciamento e da comunicação.
Após cinco anos em terras britânicas decide voltar para Portugal, passando a trabalhar na MBX Agency (que depois passou a RedMojo Agency), onde se dedicou mais à parte de management, direção de marketing e lançamento de artistas. Mas o seu sonho era trabalhar na área da música e dos grandes festivais, o qual conseguiu cumprir com a oportunidade de ir trabalhar para o Rock in Rio.
É no final de 2015 que ingressa então na equipa de marketing do Rock in Rio, onde trabalhou sobretudo no “desenvolvimento das atrações do festival, em torno daquilo que é o seu retorno para a geração mediática e para as marcas, mas também para o próprio festival, numa lógica de chegar a mais pessoas, com conteúdos diferenciados, tendo sempre esta perspetiva da comunicação, do marketing e da estratégia, em torno daquilo que é o território da música“.
Assume em 2022 a direção de marketing, passando a fazer “um pouco o mesmo, mas com um olhar um bocadinho mais macro”. O desafio passa por “atrair o maior número de pessoas, comunicar de uma forma regular, criar comunidades, falar para vários públicos, de todas as idades e de diversos géneros musicais“.
Luís Soares é assim diretor de marketing do Rock in Rio Portugal e head de marketing internacional, o que significa que trata do marketing internacional dos projetos da Rock World (organizadora do festival) e que lidera a direção do marketing do Rock in Rio a nível nacional.
Amante de música, Luís Soares elege The Doors como a sua banda favorita de sempre, considerando-se, inclusive, um “verdadeiro aficionado” que sabe tudo sobre a banda e a sua história. Mas gosta também muito de bandas dos anos 60, como Rolling Stones ou Beatles, dos anos 80, como Guns N’ Roses, ACDC ou Metallica, ou dos anos 90 como Nirvana, Pearl Jam, Oasis.
A sua adolescência foi vivida “fundamentalmente” a “curtir bandas de nu metal”, com bandas como Limp Bizkit, Korn ou System of a Down. Já nos tempos de faculdade “curtia” muito indie rock, com bandas como Arcade Fire, The Strokes ou Arctic Monkeys e hoje até se considera fã de algum tipo de hip hop, “coisa que não imaginava possível há uns anos atrás”.
“Mas eu sou um tipo do rock and roll. Gosto de atitude, de show, de espetáculo. E quando olhamos para bandas como os Stones, os Led Zeppelin ou a minha referência que são os The Doors, é porque eles, mais ou menos, têm um pouco disso: o lado da música e o lado da arte, que é muito importante, porque não basta fazer música porque sim”, diz Luís Soares.
“O que é bom nessas bandas é que aquilo são poemas autênticos, falam de temas relevantes, são absolutamente apaixonantes, mas ao mesmo tempo aquilo é um grande show. Aquilo é performance, é teatro, e não é por acaso que 60 anos depois ainda se está a falar deles“, acrescenta o diretor de marketing.
A grande paixão de Luís Soares é mesmo a música, mas adora também muitas outras formas de cultura, desde cinema à ida a museus, além de ser “absolutamente fascinado” por história, não só portuguesa mas mundial. Por outro lado, é também um grande fã de bricolage.
“Não tem nada a ver, mas eu gosto muito de fazer bricolage, coisas que envolvam a construção de algo. Seja em casa, seja no exterior, dedico também uma grande parte do meu tempo livre a isso. Desde consertos básicos e pintura de móveis antigos até outras coisas de maior dimensão, a bricolage acaba por se tornar para mim um bocadinho libertador“, diz.
Este passatempo advém, talvez, do facto de o seu pai ser professor de trabalhos manuais, pelo que Luís Soares se recorda de, desde miúdo, fazer esse tipo de trabalhos, como pintar a óleo ou mexer em barro e madeiras. “E embora não tendo competências para essa área, eu sou uma pessoa que não diz que não a nada. Sou alguém que se rege pela máxima ‘do it yourself‘“, diz.
Com uma filha de oito anos e um filho de três anos, e depois de ter vivido em Marco de Canaveses, no Porto, em Coimbra e em Londres, Luís Soares vive atualmente em Cascais, mas a pronúncia do Norte mantém-se e “nunca vai sair”. “É quase uma marca. Eu não faço o mínimo para a alterar. Eu não me importo verdadeiramente se a minha pronúncia está muito ou pouco carregada. A minha pronúncia é assim e tenho muito orgulho nela”, refere.
“Considero-me, fundamentalmente, um português de coração. Portugal é um território muito pequeno e muito mais parecido do que as pessoas pensam, é muito diverso e muito mais parecido do que se possa imaginar. Somos muito parecidos, mas com características diferentes. É engraçado pensar como um país tão pequenino tem tantas pronúncias, tantos regionalismos e tantas diferenças. Mas pegando num alfacinha de gema e em alguém que venha do centro do Porto, eles têm mais coisas que os unem do que os separam. E nós só reparamos nisso quando estamos lá fora”, conclui.
Luís Soares em discurso direto
ㅤ
1 – Que campanhas gostava de ter feito/aprovado? Porquê?
Há campanhas que marcaram o imaginário coletivo, como o Gervásio da Sociedade Ponto Verde, o icónico “Tou xim?” da Telecel, ou o irreverente “Estou que nem posso” da Frize, com o Pedro Tochas. O que todas têm em comum? Humor, disrupção, uma certa “portugalidade” inteligente e uma criatividade que não joga pelo seguro. São referências que, décadas depois, ainda vivem na cabeça das pessoas — e isso é ouro para qualquer marca.
Já a nível internacional, gosto de campanhas que revelam o melhor da condição humana. Que não vendem apenas um produto, mas uma visão, um legado. Desde o “Just Do It” da Nike ao “Think Different” da Apple, são ideias que moldam gerações. Mas tenho uma guilty pleasure: o gorila da Cadbury a tocar bateria ao som de Phil Collins. Aquilo é arte pura. Divertido, surpreendente, memorável. Vejo esse anúncio com os meus filhos e rimos todos. É esse poder emocional e intemporal que torna uma marca eterna. Mas se tivesse que escolher uma como a “campanha das campanhas”: Hilltop, da Coca-Cola “I’d like to buy the world a Coke”. Em 1971, antes da marca sequer existir em Portugal, já mostrava ao mundo uma ideia de união global através da música. Um momento icónico que mudou a publicidade para sempre — e que ainda hoje nos inspira a criar mais do que apenas anúncios. Nenhuma ferramenta ou território é tão poderoso a criar ligação emocional como a música. Ela é a banda sonora das nossas vidas — e, quando bem usada, também é a da história de uma marca.
ㅤ
2 – Qual é a decisão mais difícil para um marketeer?
É quando tens de dizer que não e abdicar de uma ideia potencialmente brilhante — daquelas que nos fazem saltar da cadeira — porque não serve o objetivo, o timing ou o budget. O marketing vive entre a paixão e o pragmatismo. Entre o “isto é incrível” e o “isto vai funcionar e traz resultado imediato”. A decisão mais difícil é, muitas vezes, entre alimentar o ego ou servir a estratégia. E, como marketers, temos de ser maestros dessa orquestra emocional. Criar sinfonias de impacto com o tempo contado, com KPIs, à espreita e com pouco espaço para errar. Às vezes queremos fazer um solo de guitarra à Jimi Hendrix… mas o que o projeto precisa é de um piano bem afinado. E temos de saber reconhecer isso.
ㅤ
3 – No (seu) top of mind está sempre?
As pessoas. Sempre. Não os algoritmos, os targets ou as personas artificiais desenhadas em PowerPoint. Penso em pessoas reais, autênticas, que não vivem obcecadas pelas trends nem seguem todas as modinhas — e que, na verdade, representam a grande maioria. Se nos esquecermos de quem está do outro lado, e nos deixamos levar apenas pelo hype estamos apenas a fazer ruído — e eu não estou aqui para fazer ruído. Quero provocar impacto, tocar corações, arrancar sorrisos, criar memórias. Quero ser relevante. E quero — através da criatividade, da emoção da música e dos eventos ao vivo — ajudar a tornar o mundo um bocadinho mais bonito, honesto, mais leve, mais humano.
ㅤ
4 – O briefing ideal deve…
Ser claro no problema, mas ambicioso na visão. Corajoso no desafio e inspirador na forma como nos convida a pensar diferente. O briefing ideal não é um guião fechado. É um convite à criação. Deve trazer contexto, provocação e, acima de tudo, uma faísca. Aquela vontade de dizer: “larga tudo, vamos já começar a fazer isto!”
ㅤ
5 – E a agência ideal é aquela que…
…me provoca e faz pensar em algo que não havia pensado antes. Tem de ser proativa, e que arregaça as mangas, que não tem medo de discordar. A que me diz “isso é seguro demais”. A que me apresenta ideias que me fazem rir, pensar ou até duvidar. A agência ideal é cúmplice no risco, mas rigorosa na execução. É uma parceira de palco, onde há química no caos e alinhamento no propósito. É como uma boa banda: não precisa de pensar igual, mas tem de tocar em sintonia.
ㅤ
6 – Em publicidade é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?
Arriscar, sempre. Jogar pelo seguro é como levar um guarda-chuva para um concerto: parece sensato, mas só atrapalha. Estamos a disputar atenção com tudo: memes, gatinhos, escândalos políticos e realities. Se não formos ousados, desaparecemos no scroll. Arriscar não é vaidade — é sobrevivência criativa.
ㅤ
7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?
Criava um festival sem tempo nem lugar. Um festival contínuo 24/7, híbrido, sempre ligado. Ao vivo num lugar do mundo, digital em todos os outros. Com artistas, criadores, cientistas, líderes culturais e marcas a colaborar num ecossistema de experiências. Um palco que nunca fecha, onde cada dia é único, cada país tem voz e cada marca tem propósito. Um novo tipo de comunidade global, onde a cultura não tem fronteiras.
ㅤ
8 – A publicidade em Portugal, numa frase?
É o fado da criatividade: tem talento, tem alma, tem emoção — só precisa de largar o medo e tocar mais alto, arriscar mais.
ㅤ
9 – Construção de marca é?
É como escrever uma canção que fica na cabeça e no coração. Uma marca não é um logo, nem um claim bonito, com um filme para Cannes. É uma emoção. É memória. É aquilo que fica depois do anúncio acabar, que perdura no tempo. E quanto mais autêntica e humana for, mais longe vai. Porque no fim do dia, marcas são como pessoas: lembramo-nos daquelas que nos fizeram sentir alguma coisa.
ㅤ
10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em marketing?
Seguramente algo ligado à música ou ao showbiz, aos eventos ou à gestão de artistas. Gosto de ligar pessoas a emoções — de criar experiências que ficam, que perduram no tempo e se inscrevem na história. Se não estivesse no marketing, estaria a lançar talentos, a dar palco a quem tem voz, ou a construir momentos capazes de provocar aquilo que só uma boa música ou um concerto ao vivo conseguem: arrepiar a pele e a alma.