No manifesto de 16 páginas, o partido de Mariana Mortágua começa por afirmar que estas eleições “foram provocadas pela ambição de Luís Montenegro”.
“Esta crise política é mais um sintoma de uma doença profunda: a apropriação do que é de todos por uns poucos. A confusão entre o interesse público e os interesses privados, entre a governação e os negócios, é um vírus que enfraquece a democracia e abre as portas à corrupção”, lê-se no documento.
Cerca de um ano depois de se ter estreado nas eleições enquanto líder de um partido, Mariana Mortágua tem esperança num resultado positivo para o BE e acredita que vão conseguir eleger mais do que os cinco deputados atuais.
Em entrevista à RTP, Mariana Mortágua apelou a uma “esquerda forte”, afirmando que "o Partido Socialista sozinho" não vai implementar soluções como taxar os ricos ou colocar tetos às rendas, que o BE pretender ver implementada.
Habitação
O primeiro tema a ser abordado no manifesto, tal como no programa eleitoral, é o da habitação. “Temos sido o país da zona euro com maior aumento de preços da habitação e somos um dos países do mundo onde as casas são mais caras”, lê-se no manifesto eleitoral, que acrescenta que o preço da habitação “é uma condenação dos jovens e uma angústia para os mais velhos e está a empobrecer a maioria”.
Para tenta combater esta realidade, o Bloco de Esquerda propõe estabelecer um teto nas rendas, ou seja, “valores máximos de acordo com a localização e as características dos imóveis”.
O BE propõe também “parar a construção de hotéis; reduzir o alojamento local onde o turismo é excessivo; acabar com os vistos gold e construir casas públicas para baixar os preços”.
No programa eleitoral de 2024, o partido apresenta outras medidas como a atribuição de subsídios ao arrendamento a reintrodução de um prazo mínimo de cinco anos para os contratos de arrendamento, a inclusão da caução no Porta 65 e o combate aos despejos.
Para aumentar a oferta de habitação, os bloquistas propõem que 25% da nova construção seja canalizada para o arrendamento acessível; a mobilização imediata de casas devolutas do Estado para habitação a custos acessíveis; a proibição de venda de casas a não residentes e a suspensão de emissão de novos títulos para empreendimentos turísticos em zonas de pressão habitacional até 2030.
Saúde
O ano passado, o BE afirmava que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tinha sido “vítima do desgoverno do PS”. Agora, o partido acusa o Governo do PSD de ter iniciado “um saque” quando chegou ao poder.
“Substituiu dirigentes e administrações hospitalares por quadros do partido e pessoas com interesses económicos na saúde privada. Com o apoio de toda a direita, anunciou a entrega de grandes hospitais públicos e centenas de centros de saúde a grupos interessados em transferir para o privado os médicos e profissionais do setor público. Os privados ficam com a parte lucrativa mas deixam o trabalho difícil para o SNS, sobrecarregado e sem meios”, lê-se no manifesto.
O partido de Mariana Mortágua promete “mudar a vida na saúde, com a contratação de médicos e profissionais para o SNS, com carreiras e salários que respeitem o seu trabalho”.
O BE propõe a revisão de todas as carreiras e posições remuneratórias, bem como a criação de um “regime de exclusividade, com majoração de 40% sobre o salário, sem prejuízo de suplementos previstos na lei, e de 50% nos pontos para progressão na carreira”.
O partido defende ainda o estabelecimento de um enfermeiro e técnicos auxiliares nas equipas de saúde para cada família, o alargamento das zonas carenciadas e dos incentivos associados, a contratação de médicos dentistas, psicólogos e nutricionistas em número suficiente.
Propõe ainda o reforço da comparticipação de medicamentos, óculos e aparelhos auditivos, incluindo a remuneração a 100% de medicamentos para pessoas com rendimento inferior ao salário mínimo nacional.
No programa eleitoral, o partido propõe também a abertura imediata de concursos para contratar o pessoal necessário e a redução para as 12 horas do horário semanal de urgência exigido aos médicos, libertando o restante tempo para consultas e cirurgias, para que estas “se realizem a tempo e horas”.
Trabalho, salários e pensões
Na área do trabalho e salários, o Bloco de Esquerda propunha, o ano passado, aumentar o salário mínimo para 900 euros, com aumentos anuais correspondentes ao efeito da inflação adicionado de 50 euros. Agora, o BE tem como meta aumentar o salário mínimo para 1000 euros em 2026.
Nas pensões, o BE quer alterar as regras de atualização, integrando no cálculo os valores do crescimento económico e da inflação. O objetivo é garantir que nenhuma pensão perde poder de compra, bem como aumentar o valor mínimo das pensões para que fique sempre acima do limiar da pobreza para quem tem 20 anos ou mais de descontos.
O partido defende também a reforma completa aos 40 anos de descontos, bem como a reforma antecipada para pessoas com 15 ou mais anos de descontos com incapacidade igual ou superior a 60%.
A nível laboral, o BE dá particular destaque aos trabalhadores por turno no seu manifesto. “Vamos mudar a vida de quem trabalha por turnos e garantir regras para o seu descanso, nos fins de semana e entre turnos”, promete o partido.
Para estes trabalhadores, o partido promete garantir a antecipação da idade da reforma e a atribuição obrigatória de um subsídio por turnos de pelo menos 30% do salário.
O partido defende também o reforço das medidas de fiscalização e combate ao trabalho ilegal e de defesa da igualdade salarial e de direitos para os trabalhadores migrantes. Propõe ainda restringir a contratação a prazo apenas às situações de substituição temporária e de pico ou sazonalidade de atividade, eliminando as exceções legais que permitem a sucessão de contratos a termo, e incluir um critério de exclusão de empresas com situações precárias irregulares em qualquer contrato com o Estado.
O BE propõe ainda que sejam definidos “leques salariais de referência”, nos setores público e privado, para combater as desigualdades salariais, e que a lei passe a consagrar o subsídio de alimentação para todos os trabalhadores e do privado, com valor mínimo igual ao do setor público.
O partido defende ainda a redução progressiva do horário de trabalho, reduzindo a semana de trabalho para quatro dias.
Justiça
Na área da justiça, o partido não fez alterações ao programa apresentado o ano passado, no qual propunha “um novo paradigma: um Serviço Nacional de Justiça assente nos princípios da gratuitidade no acesso, da proximidade dos serviços de justiça e dignificação dos seus profissionais”.
No documento consta a elaboração de uma Lei de Bases da Justiça que consagre um Serviço Nacional de Justiça, a criação de uma entidade inspetiva para autarquias, o reforço de meios da Entidade de Contas e Financiamentos Políticos, da Autoridade Tributária e da PJ, bem como a valorização dos oficiais de justiça (respondendo às suas reivindicações), dos oficiais dos registos, dos profissionais das prisões e de reinserção social, e dos advogados oficiosos.
Um traço distintivo do programa do partido para este setor é a atenção à área de família e menores, com a proposta de criação de secções da família e da criança nos tribunais superiores e de um corpo de peritos nos quadros permanentes dos tribunais de família, além de formação específica dos magistrados e da proposta de criação do provedor da criança, uma ideia comum a diversos partidos.
Do ponto de vista do combate à corrupção, os bloquistas apresentam também várias propostas, como a criminalização do enriquecimento ilícito (com o confisco dos bens e a taxação a 100%), a entrada em vigor do fim dos vistos gold, a criminalização do recurso a serviços de entidades ‘offshore’, o reporte e a tributação de criptoativos e a fiscalização efetiva do património e dos rendimentos dos titulares de cargos políticos/públicos, alargando a obrigatoriedade de declaração até gabinetes ministeriais.
No manifesto, o partido afirma que com o Bloco, “ninguém governará sem prestar contas e a corrupção será vencida porque se investigará a circulação do dinheiro que paga favores”. “Com a força do Bloco, a política não será uma porta para negócios da oligarquia”, salienta.
“Taxar os ricos” é outro dos lemas do Bloco de Esquerda, que considera que “a riqueza está mais concentrada do que nunca e as novas gerações vivem pior que as anteriores”. O partido defende, por isso, a criação de impostos sobre as grandes fortunas e empresas digitais e a imposição de leques salariais nas grandes empresas.
“Queremos gerar receitas para financiar os serviços públicos e salários justos, através de impostos justos sobre as empresas digitais e as grandes fortunas. Este imposto aplica-se a fortunas acima dos 3.500 salários mínimos nacionais - cerca de três milhões de euros (deduzidos de dívidas), sendo aplicada uma taxa progressiva entre 1,7% e 3,5%”, lê-se no manifesto.
Para além disso, o BE defende leques salariais nas grandes empresas “para que um administrador não possa ganhar mais num mês do que um trabalhador num ano”.
Educação
No ensino, o BE defende a recuperação integral do tempo de serviço congelado dos professores e o reposicionamento de todos os docentes na carreira, tendo como único critério o tempo de serviço e a graduação profissional.
Os bloquistas são também a favor da implementação de um regime temporário de antecipação da aposentação de professores com idade próxima da reforma – uma medida de adesão voluntária e que deve incluir a possibilidade de reconversão de tempo de serviço ainda não contabilizado em antecipação da reforma.
No serviço escolar em concreto, o Bloco defende a revisão da organização dos ciclos e do calendário escolar, bem como o fim das provas nacionais do 9.º ano e da realização de provas de aferição de uma forma universal, passando a ser realizadas por amostragem.
Com o objetivo de aumentar a oferta de alojamento estudantil, o BE propõe a reconversão de edifícios públicos que não estejam a ser utilizados e a assinatura de protocolos com o setor hoteleiro e do alojamento local para a disponibilização de quartos a preços controlados e a “requisição de imóveis afetos ao alojamento local ou alojamento utilizado com fins turísticos, priorizando as habitações detidas por proprietários com elevado número de imóveis em alojamento local/turístico”.
Ainda no ensino superior, o Bloco defende também a fixação de um teto máximo nas propinas dos mestrados e doutoramentos.
Clima
O partido dedica grande parte do seu programa ao ambiente. O Bloco de Esquerda quer “reorganizar o setor energético, apostar na produção renovável descentralizada e recuperar o controlo da infraestrutura energética, com a renacionalização das empresas privatizadas”.
O partido quer também “investir em transportes públicos gratuitos em todo o território, substituir viagens curtas de avião por comboio, reduzir o tempo e a poluição das deslocações para o trabalho, melhorar a circulação suave nas cidades e tornar o território e as infraestruturas mais resistentes às tempestades”.
“Vamos reconverter produções poluentes, reflorestar o país em parceria com as comunidades locais, proteger o bem-estar animal e a biodiversidade”, promete ainda o partido de Mariana Mortágua.
No programa eleitoral de 2024, o partido apresenta mais algumas propostas. Os bloquistas pretendem dar prioridade à criação de emprego em setores que reduzam as emissões e regulamentar a Lei de Bases do Clima e reforçar a sua ambição, antecipando a data para a neutralidade climática.
A taxação dos lucros excessivos das petrolíferas, a descarbonização dos modos de transportes, com soluções ferroviárias ao nível dos transportes urbanos, suburbanos e sub-regionais, e a criação de zonas centrais de grande restrição à circulação automóvel nas grandes cidades são outras das propostas.
O partido defende ainda a gratuitidades dos transportes públicos para jovens até aos 25 anos, pessoas com 65 ou mais anos, pessoas com deficiência, beneficiários de prestações sociais e desempregados de longa duração e a redução do preço dos passes dos transportes coletivos de passageiros.
Defesa, migração e igualdade
Para além dos temas já abordados, o Bloco de Esquerda decidiu incluir no manifesto outros que se impõe na atualidade. Entre eles está a defesa – um tema que ganhou maior relevância desde que Donald Trump assumiu a presidência dos EUA e a consequente aproximação de Washington a Moscovo.
Os bloquistas consideram errado aumentar a despesa militar e sublinham que os EUA já não um aliado, defendendo a saída de Portugal da NATO.
“A União Europeia tem os meios militares necessários para se defender, mas tem que organizá-los fora da NATO e da influência de Washington e tem que aceitar a soberania dos seus Estados”, lê-se no manifesto.
“Em vez de cortes no Estado social para subsidiar a indústria militar norte-americana ou franco-alemã, queremos serviços públicos fortes que protejam as democracias do crescimento do autoritarismo”, acrescentam.
Relativamente ao conflito no Médio Oriente, o BE considera que a Europa e os EUA “são cúmplices do genocídio em Gaza” e é a favor do reconhecimento do Estado da Palestina.
A migração é outro dos temas que o partido incluiu no manifesto. O Bloco de Esquerda acusa os últimos governos de terem “aberto o caminho ao discurso xenófobo”. “O PS instalou o caos nos serviços de imigração; o PSD fechou portas e lança milhares na clandestinidade”, aponta.
O partido defende, por isso, “políticas capazes de acolher e incluir pessoas que precisam de nós e de quem precisamos - acesso ao ensino da língua portuguesa e a documentos legais; responsabilização das empresas pelas condições de vida de quem contratam”.
O partido considera ainda que é preciso “derrotar o racismo estrutural”, o que implica “mudar políticas sociais, mudar leis, mudar discursos e narrativas que dominam em todas as áreas e enfrentar sem tibiezas a violência e o abuso policial”.
O respeito pela igualdade merece também destaque no manifesto dos bloquistas, que consideram que “com o Chega no parlamento e com a eleição de Trump, o ódio às mulheres e a pessoas LGBTQI+ tomou conta da agenda da direita”.
“Com o Bloco, o conservadorismo será vencido em nome do respeito: a nossa Constituição viva é o direito a amar quem se quiser, a viver em paz e segurança na rua e em casa. Lutamos pelos direitos das mulheres, pelo acesso ao aborto seguro e pela igualdade completa. Vamos garantir às pessoas com deficiência as condições para o seu reconhecimento e independência”, defende.