Como acelerar salários? E atrair imigrantes qualificados? Cinco horas de debate com muitas soluções – ECO

Governantes, empresários, sindicatos, e especialistas juntaram-se na segunda edição da Conferência Anual do Trabalho para discutir salários, formação, lei do trabalho, migrações e Segurança Social.

Cinco horas de debate e dezenas de empresários, governantes, sindicatos e especialistas em palco para discutir as diferentes vertentes do mercado de trabalho, dos salários à formação, passando pela Segurança Social, migrações e pela lei do trabalho. Foi assim a 2.ª edição da Conferência Anual do Trabalho, organizada esta quarta-feira pelo ECO, e que decorreu no auditório PLMJ, em Lisboa.

Os trabalhos foram abertos pela ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, e encerrados pelo presidente do Conselho Económico Social, Luís Pais Antunes. O ECO reúne aqui os destaques destes cinco painéis de discussão. Nos próximos dias, o ECO divulgará uma cobertura mais detalhada de cada uma dessas sessões.

“Coligação negativa contribuiu para achatar salário mínimo e médio”

Na abertura desta conferência, a ministra Maria do Rosário Palma Ramalho fez um ponto da situação do trabalho em Portugal, realçando os níveis mínimos de desemprego e máximos de emprego. Disse ainda que, independentemente de ser indispensável ir aumentando o salário mínimo nacional, é igualmente importante estabelecer uma trajetória que permita valorizar todos os salários, impedindo o achatamento do salário médio. Sobre este ponto, acusou o PS e o Chega de terem contribuído para esse achatamento, porque juntos, numa maioria negativa, acabaram por ditar que as empresas que agravem o leque salarial estão mesmo fora de um benefício em sede de IRC.

Sobre as pensões, a ministra do Trabalho garantiu que a Segurança Social “está bem”. “Mas temos de olhar para daqui a 20 anos”, assinalou. Afirmou ainda que o Governo protegeu as pensões dos portugueses “o melhor que pôde”.

Puxar pelos salários, para lá do mínimo

Como aumentar os salários em Portugal? Pedro Martins, professor da Nova SBE e ex-secretário de Estado do Emprego, apontou para a produtividade e, a par disso, para o investimento. Considerou, além disso, que as propostas apresentadas pelos partidos — PS e AD apontam para 1.100 euros de salário mínimo nacional — são realistas, mas se se olhar também para as condições garantidas às empresas.

Da parte da distribuição, Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da APED, sublinhou que os trabalhadores olham hoje para mais do que o salário, mas os sindicatos, acusou, tendem a focar a negociação coletiva nesse tema. No mesmo sentido, Rita Távora, country talent development manager do IKEA, explicou que esta empresa tem tomado a opção de pagar salários acima do setor em que insere, mas esse não tem sido o único fator de fidelização do talento, referindo-se, nomeadamente, à política de parentalidade e à cultura.

Quanto a André Ribeiro Pires, COO do Clan, deixou um aviso: o efeito mais recente de crescimento dos salários por efeito da escassez é improvável que se repita este ano. Apelou também a uma melhor conexão entre as entidades públicas e as empresas, reduzindo-se os entraves hoje sentidos.

Lei do trabalho a caminho de novas mudanças?

“Falhanço”, “insuficiente”, “oportunidade perdida”, “entropia”. Num painel dedicado à lei do trabalho, os parceiros sociais e o advogado Nuno Ferreira Morgado deixaram duras críticas à chamada Agenda do Trabalho Digno e apelaram a que o próximo Governo avance com algumas mexidas na legislação laboral.

Da parte da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), João Vieira Lopes identificou o travão ao outsourcing após despedimentos coletivos como a medida da referida Agenda que é urgente revisitar, mas realçou também a necessidade de mexer, por exemplo, nas regras do trabalho nas plataformas e do teletrabalho. Já Armindo Monteiro, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), disse que “gostava que os representantes de empresas e trabalhadores se sentassem e estabelecessem compromissos e objetivos“, frisando que é preciso, nesse âmbito, compromisso, confiança e ambição.

A Agenda do Trabalho Digno foi uma oportunidade perdida para construir soluções. Nas relações de trabalho não se pode utilizar marketing.

Armindo Monteiro

Presidente da CIP

Já do lado dos trabalhadores, Tiago Oliveira, secretário-geral da CGTP, salientou que “não se pode partir da premissa de que tudo gira à volta das empresas” e notou que o número de empregadores que “cumpre as 40 horas de formação obrigatória deve ser irrisório”. Assinalou ainda que a CGTP assinou sete acordos de Concertação, recusando a ideia de que esta central fica sempre fora.

Por sua vez, Nuno Ferreira Morgado, sócio da PLMJ, criticou a qualidade do texto legislativo português — incluindo a Agenda do Trabalho Digno. “Não nos podemos esquecer de que o Direito do Trabalho só existe para servir um propósito: para proteger os trabalhos. Mas temos de ter um texto que as pessoas entendam, porque os primeiros prejudicados com isso são os trabalhadores e também as empresas”, advertiu.

Segurança Social, da sustentabilidade ao futuro

Num painel sobre a sustentabilidade da Segurança Social, José António Vieira da Silva, ex-ministro do Trabalho, insistiu que o excedente do sistema não pode ser usado noutro sítio para pagar outro tipo de despesa pública. “Isso seria pôr em causa o sistema de pensões”, alertou. Sobre a contribuição dos imigrantes, o ex-governante avisou que, apesar de estarem a contribuir de forma líquida para a Segurança Social, também estão a ganhar direitos.

Já Valdemar Duarte, diretor-geral da Ageas Pensões, deixou a nota de que “os níveis de pensões mais altos não podem ficar congelados“, ainda que seja natural que “a atualização seja mais baixa”. Por sua vez, Vítor Junqueira, ex-diretor do Centro Nacional de Pensões, declarou que existem erros no relatório da Ageing Report 2024 sobre reformas, elaborado pela Comissão Europeia. “A justificação que lá está é que deixa de haver novos pensionistas da CGA, portanto a pensão média cai. Não faz sentido. Há aqui um erro de desenho disto. Porque não deixa de haver novos pensionistas do setor público, que estão na Segurança Social”, argumentou.

Talento que sai, talento que entra

Num painel sobre as migrações, o presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), Gonçalo Saraiva Matias considerou ser essencial que haja em Portugal uma agência que promova Portugal no estrangeiro como um sítio bom para viver e trabalhar. “Não conseguimos atrair para Portugal pessoas para trabalhar em setores que precisámos”, avisou, defendendo que esse trabalho de promoção do país como destino de trabalho “deve ser feito, por agências públicas“.

Já César Araújo, presidente da ANIVEC, realçou que o país tem de regular a imigração e atrair quadros altamente qualificados, que ajudem na transformação em curso, nomeadamente, na indústria têxtil. Por sua vez, Patrícia Agostinho, chief happiness officer da EY Portugal, adiantou que os jovens mostram-se muito interessados em ter experiências lá fora, mas há também “muita gente a querer vir para” Portugal.

Não conseguimos atrair para Portugal pessoas para trabalhar em setores que precisámos.

Gonçalo Saraiva Matias

Presidente da FFMS

Por outro lado, Rita Soares, responsável de seleção, formação e desenvolvimento do El Corte Inglés, garantiu que a formação é a peça-chave para a integração de imigrantes e para o seu sucesso. No El Corte Inglés a formação dura cerca de um ano e conta com o apoio de todas as estruturas da empresa, disse.

Formação e empresas de mãos dadas

Num painel dedicado à importância da formação, Ana Jacinto, secretária-geral da AHRESP, frisou que não basta formar os trabalhadores, é preciso formar também os empresários. “Temos de ter os empresários também preparados ou não valorizam a formação”, argumentou. Já Filipe Santos, dean da Católica Lisbon School of Business and Economics, defendeu que “a formação contínua deve ser entendida como a higiene e segurança no trabalho“, isto é, tem de ser dada por todos os empregadores.

Por sua vez, Pedro Ribeiro, diretor-geral de talento do Super Bock Group, explicou que, no caso desta empresa, já estão a identificar as funções que vão ser transformadas pela tecnologia e cujos trabalhadores precisarão de formação. “O que pode acontecer com a IA pode ter uma dimensão superior ao que vivemos há 25 anos. Estamos já a prepararmo-nos. Já temos vindo a identificar as funções que não vão ser necessárias, as funções que vão precisar de mais recursos e qual é o gap que temos na nossa estrutura”, assume.

E da parte da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, o diretor Óscar Afonso deixou uma mensagem de otimismo: “andamos todos preocupados, mas eu não estou. Desde que existe humanidade, sempre existiram revoluções, mas todas elas criaram mais necessidades da força de trabalho. Acredito que desta vez também vai ser assim“, afirmou.

“Tratamos mal as grandes empresas e isso é contrário às nossas necessidades”

Coube ao presidente do Conselho Económico e Social (CES) encerrar os trabalhos e Luís Pais Antunes aproveitou a sua intervenção para sublinhar que o país enfrenta uma “tempestade perfeita” composta por baixos salários e níveis elevados de fiscalidade, não só sobre os salários, mas também sobre as empresas. No caso destas últimas, alertou que as grandes empresas são “mal tratadas”, nomeadamente a nível tributário.

O responsável deixou ainda claro que “não tem a menor dúvida que a inteligência artificial trará muitos novos empregos“. Mas tal, afirmou, obriga a uma formação contínua permanente“. Rematou com o recado de que é preciso olhar para os problemas do presente, mas sobretudo ter uma visão a dez e 20 anos.