As Reformas estruturais que o país precisa – ECO

Para mudarmos rumo a um futuro melhor, temos de exigir mais dos nossos políticos.

Portugal só conseguirá elevar o seu potencial de crescimento económico e alcançar a metade mais rica da União Europeia (UE) a prazo num horizonte razoável, como uma década – o que deveria ser um desígnio nacional – se encetar um conjunto de reformas estruturais, como as que apontei numa crónica anterior e que aqui relembro de forma breve para efeitos de exposição, podendo ser consultadas com maior detalhe nesse texto.

Neste artigo, acrescento mais algumas reformas importantes, algumas já apresentadas anteriormente de forma dispersa, e outras novas. As reformas devem ser claramente definidas, cuidadosamente desenhadas e eficazmente implementadas. É igualmente essencial que sejam bem comunicadas, explicando-se as suas motivações e consequências. Sempre que necessário, deverão ser complementadas com medidas transitórias que compensem os que possam ser mais negativamente afetados numa fase inicial.

Precisamos ainda de lideranças à altura para as implementar, tanto no governo como na oposição.

Divido, por isso, a crónica em duas partes, mais a conclusão.

Parte A – resumo de reformas já apresentadas numa crónica anterior.

1. Reforma do Estado: administração, sistema fiscal e sistema de pensões

1.1. Reforma administrativa

1.1.1. Gestão mais eficiente da Administração Pública: baixar o peso da despesa corrente no PIB (via descentralização e maior autonomia e responsabilização nos serviços públicos, com foco nas necessidades e conveniência de cidadãos e empresas, incluindo uma grande aposta na digitalização e em serviços online) para acomodar um maior peso do investimento público e uma baixa da carga fiscal.

1.1.2 Reforma administrativa territorial: eliminar o nível administrativo das freguesias e estudar a viabilidade de criação do regional (se necessário, via fusão de municípios), uma solução mais europeia e eficiente.

1.1.3. Reforçar a capacidade administrativa de gestão de fundos da UE acelerar o PRR e PT 2030.

1.1.4. Regulação e concorrência: melhorar o ambiente de negócios de termos de desregulação e promoção da concorrência, nomeadamente no setor da ferrovia.

1.2. Reforma do sistema fiscal

1.2.1. Baixar a carga fiscal: continuar a baixar o IRS e, sobretudo, as taxas de IRC, com prioridade para a eliminação da derrama estadual progressiva, sem paralelo no resto da Europa.

1.2.2. Racionalização e eliminação de benefícios fiscais injustificados: partir do estudo de 2019 do grupo de trabalho criado para o efeito. Focar os benefícios em IRC para a I&D, que são generosos, mais nas PME (onde há uma falha de mercado) e menos nas grandes empresas, beneficiadas pela baixa de taxas de IRC.

1.2.3. Revisão e uniformização dos mecanismos de atração e retenção de talento: substituição dos programas IRS Jovem, Regressar e IFICI+ pelo IRS Novo Talento que defendo (deduções em IRS sobre rendimento de trabalho nos anos após novas qualificações superiores, tanto maiores quanto maior o grau, com limite global de anos), acessível a todos no ativo (ao contrário dos regimes que substitui) – jovens, menos jovens, imigrantes e emigrantes regressados –, tornando o regime fiscal mais simples e justo.

1.2.4. Outras medidas para aumento da eficácia do sistema fiscal: fortalecimento de meios da Administração fiscal e redução das suas interações com os contribuintes, eliminando encargos.

1.3. Reforma do sistema de pensões: atender aos alertas da Comissão Europeia nesta matéria.

2. Reforma do sistema político: política como serviço público e não profissão (incluindo medidas como limitação de mandatos sucessivos em quaisquer cargos políticos a dois e círculos uninominais) e medidas de aumento da transparência (como a meritocracia nos processos de recrutamento; a regulamentação do lobbying; e reforçar os períodos de ‘nojo’ para impedir as ‘portas giratórias’ entre cargos políticos e empresariais) e combate à corrução e à economia paralela (realce para a criminalização do enriquecimento ilícito no setor público e privado).

3. Reforma da Justiça: a digitalização, com recurso a inteligência artificial (IA), e a redução da litigância de má-fé são condições básicas para uma Justiça mais célere, eficiente e ao serviço do desenvolvimento.

4. Reforma da Saúde: o SNS precisa de mais investimento, melhor gestão e modelos inovadores, podendo as parcerias público-privadas, se bem desenhadas, ser parte da solução, sendo ainda crucial medidas de prevenção em saúde financiadas por receitas específicas (como impostos sobre excesso de sal e açúcar, bem como aditivos nocivos, em produtos processados).

5. Reforma da Educação (com medidas como aumentar vagas em áreas críticas e tornar a profissão mais atrativa, incluindo modelos de recrutamento descentralizado) e Ensino Superior (realce para a aposta na autonomia, revisão das propinas e “Contrato de Confiança” entre o Estado e o estudante): em ambos os casos, a IA deve ser usada para reforçar a qualidade do ensino e promovida como complemento, não substituto, da ação humana, promovendo essa filosofia também na ligação às empresas e ao mercado de trabalho, que deve ser reforçada via aposta na requalificação das gerações no ativo, relativamente pouco qualificadas no contexto internacional, tanto trabalhadores como empregadores / gestores.

6. Reforma da habitação, mobilidade territorial e mercado de trabalho: é crucial dinamizar o mercado de arrendamento com políticas inovadoras e articular políticas de habitação com as de descentralização e emprego – incluindo uma diminuição da rigidez laboral –, pois potenciam uma melhor distribuição das oportunidades económicas pelo território, reduzindo pressões de habitação nos grandes centros urbanos.

7. Elevação do perfil económico: aposta em setores intensivos em conhecimento, aproveitando as oportunidades e fundos europeus nas áreas da reindustrialização, digitalização e defesa, nomeadamente. A prioridade deve ser reforçar os critérios de seleção e avaliação de projetos com base no valor acrescentado, produtividade e capacidade exportadora, de forma transversal. Deve-se evitar tentações dirigistas de escolher setores, pois há oportunidades de crescimento e criação de valor em qualquer setor, mesmo que em nichos como mostra a história económica e das inovações de mercado. Mesmo o turismo, onde já temos um peso excessivos a meu ver, pode e deve evoluir em qualificação, digitalização, valor acrescentado e homogeneidade no território, abandonando o modelo de turismo de massas, que pressiona as infraestruturas (incluindo a habitação) e o ambiente. O peso do setor até pode manter-se ou progredir, mas com base no aumento do valor gerado por turista e numa maior produtividade, absorvendo menos trabalho e capital, reorientados para setores relativamente mais produtivos através de políticas e incentivos corretos e transversais, como os anteriormente referidos.

Parte B – outras reformas complementares

Neste artigo acrescento mais quatro pontos importantes, alguns novos e outros que já tenho defendido.

8. Promoção da poupança dirigida a investimento produtivo: estudar novos instrumentos com esse objetivo, tendo em conta os principais perfis dos aforradores portugueses; promover a literacia financeira.

9. Melhorar a alocação do capital, favorecendo os ganhos de escala, a produtividade e a competitividade: fiscalizar situações de falência técnica das empresas e assegurar a aplicação das regras do Código das Sociedades Comerciais para acabar com as empresas ‘zombie’ (persistentemente com prejuízo); agilizar os mecanismos de recuperação e insolvência; reforçar os benefícios fiscais e outros para operações de concentração (aprovadas pela Autoridade da Concorrência) e cooperação empresarial.

10. Reforçar a ligação entre salários e produtividade: promover, na concertação social, a subida do salário mínimo nacional em linha com a produtividade tendo em conta o contexto externo; estudar formas mais inovadoras de ligar salários e produtividade nas organizações, com apoio da Academia.

11. Análise estratégica das grandes infraestruturas de conectividade do país previstas para as próximas décadas: no transporte aéreo, proceder a uma reavaliação urgente da necessidade de um novo aeroporto em Lisboa (pedir à Comissão Independente para avaliar um cenário sem hub, que poderá tornar suficiente o atual aeroporto, descongestionando-o e reduzindo o impacto ambiental; reavaliar, em consonância, a concessão da ANA à Vinci) e à privatização da TAP, e fazer uma aposta decisiva na ferrovia (que tenderá a substituir os voos de curta distância, em linha com as orientações europeias), sendo crucial a revisão dos investimentos neste domínio (bitola europeia ou mista e ligação às grandes redes europeias) e a implementação de um modelo que traga concorrência efetiva (incluindo a privatização da CP), como o exemplo de sucesso espanhol. Estudar, com apoio da Academia, modelos de organização da vida em sociedade que otimizem a mobilidade e as infraestruturas necessárias de forma mais sustentável, reduzindo a necessidade de transporte individual poluente.

12. Reforço da Defesa Nacional e Integração Europeia: Face às mudanças na ordem mundial e ao reforço das políticas de defesa na UE, é imperativo que Portugal fortaleça as suas capacidades de defesa nacional no quadro europeu e da NATO, o que passa por avaliar estrategicamente o investimento necessário na modernização das Forças Armadas, incluindo para efeitos de cooperação europeia e na NATO, bem como o duplo uso de equipamentos militares para necessidades civis, preparando o país para responder a desafios internos e externos, militares, mas também civis. É preciso ainda assegurar que há um impacto positivo na economia e nas finanças públicas – para que o investimento em defesa não se faça à custa de outras áreas, em particular do Estado Social –, através da promoção da indústria nacional de defesa (setor público e privado), com realce para áreas intensivas em I&D e equipamentos de duplo uso (civil e militar), aproveitando as oportunidades e mecanismos e financiamento no quadro europeu, bem como o envolvimento da indústria em contrapartidas das aquisições do Estado ao exterior, preferencialmente a fazer no âmbito do mercado europeu de defesa que irá ser desenvolvido. A ideia é que as aquisições estratégicas de defesa por parte do Estado vão sendo feitas gradualmente, acompanhando a progressão da indústria de defesa nacional – via exportações, incluindo as promovidas pelas contrapartidas, e abastecimento competitivo ao Estado português –, para que o impacto orçamental seja minorado.

13. Jovens: combater o insucesso escolar e aumentar significativamente as bolsas de estudo no Ensino Superior, que são insuficientes face aos elevados custos (sobretudo para estudantes deslocados), bem como o alojamento estudantil – com soluções públicas e de mercado (reforma da habitação). A escola, em particular o Ensino Superior, é o principal elevador social do país, pelo que temos de assegurar que ninguém fica de fora. Todas as reformas aqui propostas, ao promoverem o aumento da produtividade e dos salários, visam contrariar a emigração do nosso talento jovem.

14. Outras áreas: promoção do impacto económico das indústrias culturais e criativas, nomeadamente através de uma melhoria da política de concessões de património cultural do Estado; resposta aos desafios específicos da agricultura, mar e pescas, sobretudo conciliar sustentabilidade e criação de valor.

15. Política de imigração promotora do desenvolvimento económico e humano: como mostrou um estudo da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP), um fator permissivo crucial para o crescimento económico é uma imigração regulada, associada a mecanismos ligados à atividade económica, como contrato de trabalho e auscultação das entidades que representam as empresas, sendo também fundamental uma adequada integração dos imigrantes na sociedade. O modelo de ‘Via verde’ para a imigração aprovado pelo governo parece ir no sentido correto, como já referi noutras oportunidades, mas falta ainda saber se funcionará bem, pois é muito recente. A necessidade de um fluxo de imigração maior do que no passado, se quisermos elevar o potencial de crescimento económico, exige um aumento dos recursos da AIMA e para a formação e integração dos imigrantes na sociedade.

Certamente haverá outras reformas e medidas importantes ausentes desta lista revista, que pretende ser mais completa, mas não exaustiva, apontando, sobretudo, às áreas de intervenção mais urgentes.

Nesta parte chamo ainda a atenção para a importância de termos lideranças políticas capazes e éticas para um novo ciclo de prosperidade – esta matéria tem ligação com reforma 2 (sistema político) –, tanto no novo governo que surgirá das eleições de 18 de maio próximo, como no principal partido da oposição, que se exige responsável e cooperador em matérias de particular interesse nacional. Essa capacidade de cooperação em matérias estruturantes, sem perigar o necessário distanciamento programático, aconteceu de forma mais regular e proveitosa num passado já distante, com realce para a adesão de Portugal à UE, então designada de Comunidade Económica Europeia, no ano de 1986.

Não possuo uma ‘bola de cristal’ para adivinhar que configuração política e parlamentar irá emergir das eleições, mas relembro o que escrevi numa outra crónica neste mesmo espaço de opinião, de que Portugal possui algumas (poucas) ‘reservas estratégicas’ em matéria de liderança política e ética, casos relativamente raros de pessoas que já prestaram grandes serviços ao pais e se afastaram de forma desprendida, mas que o poderão voltar a fazer se a oportunidade se proporcionar e o país precisar.

Conclusão

Portugal está perante uma encruzilhada: Eenfrenta de frente os seus bloqueios estruturais, com espírito reformista e estratégico, avançando decisivamente rumo a um futuro de maior progresso económico e social, ou continuará com um crescimento anémico e a cair para a cauda da UE em nível de vida. As reformas aqui sistematizadas apontam algumas ideias que me parecem relevantes para enfrentar alguns dos principais desafios do país. Contudo, nenhuma reforma se concretiza sem liderança e ética.

Precisamos de líderes que estejam dispostas a colocar o interesse nacional acima das lógicas partidárias de curto prazo, tanto no governo como na oposição, sem esquecer que temos ‘reservas’ de grande valor que já deram provas no passado em matéria de liderança reformista, mobilizadora e ética, e poderão dar um novo contributo decisivo para o país se este precisar e as circunstâncias o permitirem. Para mudarmos rumo a um futuro melhor, temos de exigir mais dos nossos políticos, além de nós próprios, pois o poder deve ser para servir o povo, não para mandar.