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Cerca de 30 artistas brasileiros e portugueses se juntaram para denunciar supostas irregularidades cometidas pela empresa Decibell, com a qual assinaram contratos. Eles alegam que, além de os acordos firmados não terem sido cumpridos, foram lesados financeiramente. Há casos, como o do mágico português Ruben Félix, 34 anos, que ficou famoso em um programa de tevê, o Got Talent, em que os prejuízos passam de 6 mil euros.
Diz Ruben: “Estava no auge da minha carreira, saindo de um programa famoso de tevê e assinei contrato com a agência Decibell. O objetivo era que a empresa me ajudasse a aproveitar aquele momento para fechar apresentações e cuidar da minha imagem. Paguei, na assinatura do contrato, 1.590 euros pelos serviços e foi acertado que a Decibel ficaria com 20% de tudo o que eu recebesse por apresentação”. Mas, segundo ele, tudo saiu fora do previsto. “Só tive prejuízos.”
Desde que Ruben assinou contrato com a Decibell, a empresa não fechou nenhum espetáculo. “Na verdade, as poucas apresentações que fiz foram acertadas diretamente por mim. Mas, o pior, é que nem os cachês contratados eu recebi, um deles, de 5 mil euros”, afirma o mágico. “Foram muitos os pedidos para que a empresa me repassasse o valor devido, mas a desculpa era a de que o contratante ainda não havia repassado o dinheiro. Contudo, fui ao contratante e a informação que recebi foi a de que tudo estava quitado”, acrescenta.
Ruben frisa que, por ter assinado um contrato de exclusividade, ficou limitado, com a carreira retrocedendo. “De tudo o que me ofereceram, só entregaram um book de fotos, que, na minha opinião, não valia os mais de 1.500 euros pagos antecipadamente”, sublinha. Ele destaca que chegou à Decibell por meio de um anúncio que apareceu nas redes sociais dele. “Quando vi que a empresa apresentava como diretor artístico Manuel Moura dos Santos, com o qual eu tinha estado no Got Talent, fique entusiasmado. Mas estava errado.”
“Nunca me apontaram o dedo”
Manuel Moura dos Santos é um dos mais celebrados produtores musicais de Portugal e jurado, com fama de mal, dos programas que buscam novos talentos. Ele aparece em fotos ao lado do CEO da Decibell, André Michael Piolanti, e no quadro de diretores da agência. O site da empresa, porém, foi retirado do ar, coincidindo com o início das manifestações públicas dos artistas nas redes sociais, dizendo-se vítimas de golpe.
Ao PÚBLICO Brasil, Manuel Moura dos Santos diz que não é funcionário da Decibell e, dos artistas que estão denunciando a empresa, ele só teve contato com o mágico Ruben Félix, com o qual se encontrou algumas vezes. “Não sou empregado da Decibell, sou consultor externo da empresa. Eu vi as pessoas se queixando, mas não conheço nenhuma delas, a não ser o Ruben Félix. Não faço ideia de quem elas sejam, pois fazem parte de uma fase anterior à minha participação como consultor da Decibell”, afirma.
Ele conta que faz consultoria artística para a Decibell, quando requisitado. “Estou na empresa há cerca de nove, 10 meses”, frisa. Manuel ressalta que lamenta o que está acontecendo. “Mas quero deixar claro que não tenho nenhuma participação administrativa ou financeira na Decibell. Sou um consultor externo, não interfiro no dia a dia da empresa, não tenho conhecimento de nada do que se passa nesse nível, nem em relação a contratos”, emenda
O produtor musical assegura que pedirá explicações ao CEO da empresa para saber exatamente o que está ocorrendo. “Preciso saber o que se passa. Tenho mais de 30 anos de produção musical e nunca fui confrontado com uma coisa dessas. Nunca teve um artista a me apontar o dedo, e não vai ter agora”, enfatiza.
Busca por Justiça
Um dos líderes do grupo de artistas que denunciam a Decibell, o compositor e produtor musical Flávio Torres, 45, assinou contrato com a empresa em setembro de 2024, pelo qual pagou 1.290 euros. “Naquele momento, tinha um álbum pronto, e a Decibell me ofereceu um pacote de serviços como assessoria de imprensa, fotos e vídeos para as redes sociais, num amplo programa de divulgação. Os meses se passaram e nada foi feito. E não foi por falta de insistência da minha parte, até que deixaram de responder as minhas mensagens e meus telefonemas”, relata.
Flávio ainda tentou reverter a situação. Em fevereiro deste ano, ele gravou um vídeo com uma das músicas do disco que ele havia demorado três anos para finalizar. “Com um mês de antecedência, perguntei o que era preciso fazer para o lançamento. O single foi lançado sem nenhuma das ações de marketing previstas. Numa noite, recebo um telefonema do CEO da Decibell, em que ele foi extremamente rude comigo, dizendo que a empresa não podia fazer mais nada”, assinala.
Passadas algumas semanas, o compositor recebeu um e-mail com uma proposta de rescisão unilateral do contrato. A Decibell ofereceu devolver o dinheiro que ele havia pago em até 365 dias, ou seja, em um ano. “Em 25 anos no mercado da música, nunca vi uma situação como esta. No início, André Piolante, o CEO da empresa, me pressionava para assinarmos logo o contrato. Por sinal, o pagamento foi feito a ele por meio de um recibo verde (prestação de serviço), sem qualquer referência à Decibell”, revela.
O músico está arregimentando os artistas lesados pela Decibell para entrarem, coletivamente, com um processo na Justiça contra a empresa. “Sabemos que, individualmente, é caro recorrer ao Tribunal, mas, juntos, podemos diluir o custo. Queremos provar que essa empresa não é idônea e que precisa ser parada para não lesar mais pessoas.”, afirma.
Traumas pessoais
O comediante brasileiro Bira Doser, 47 anos, do quais 25 anos em Portugal, conta que um anúncio da Decibell apareceu em suas redes sociais oferecendo “mundos e fundos” para impulsionar a carreira dele. “Acabei ligando para a empresa. A primeira reunião foi por videochamada. Depois, me chamaram em um prédio bem luxuoso em Lisboa. Lá, me ofereceram um contrato com produção de fotos, vídeos e propaganda nas redes sociais dos meus shows. Tudo por 300 euros. Mas não recebi nada, serviço zero”, enfatiza.
Bira reconhece que o tombo foi feio. “Como me tornei um artista exclusivo da Decibell, não pude fazer mais nada. Estou parado desde então, com a carreira estagnada”, lamenta. O comediante diz que começou a desconfiar da idoneidade da Decibell ao comparar as redes sociais da empresa com as de outras agências de gestão de carreira de artistas. “Nas redes da Decibell só aparecia o CEO da empresa viajando, na academia, na praia. Nas de outras empresas, as estrelas eram os artistas”, frisa.
Para a cantora portuguesa Mónica Pires, 36, desde que a Decibell entrou na vida dela, tudo desandou. “Minha carreira parou e passei a viver sob estresse, por me sentir acuada e diminuída”, ressalta. De início, assinala ela, todos na empresa a tratavam com muita atenção e cordialidade. Depois, passou a imperar o descaso. “Paguei por um pacote completo de serviços: gestão de carreira, marketing digital, fotos, vídeos, assessoria de imprensa para rádio e tevê, participação em concertos nacionais e internacionais. Estou esperando até hoje por isso”, sublinha.
Já com contrato com a Decibell, Mónica, que pagou 650 euros antecipadamente, lançou duas músicas, uma, solo, outra, em parceria com o músico Diogo Seixas, também lesado. “Ao longo de seis meses, o único feedback que tive foi de uma sessão com Manuel Moura dos Santos, que me aconselhou a fazer aulas de canto. A empresa me ofereceu uma pessoa deles, mas optei por contratar uma profissional diretamente. Vi que era mais uma forma de tirarem dinheiro de mim”, conta. Tempos depois, a Decibell comunicou à cantora que, “após ser avaliada, o perfil dela não era adequado para ser agenciado pela empresa”.
A artista afirma que recorreu ao Julgado da Paz, tribunal de mediação, para tentar chegar a um acordo com a Decibell para a devolução de todos os recursos pagos por ela. Lá recomendaram que ela procurasse a Segurança Social para obter um advogado de forma gratuita. A cantora também recorreu à Polícia de Segurança Pública (PSP), que lhe aconselhou buscar ajuda jurídica, pois o caso dela de tratava de “incumprimento de contrato”. A PSP, por sinal, tem alertado, sistematicamente, para que as pessoas desconfiem de facilidades oferecidas por meio da internet, pois tudo indica que pode ser golpe.
Serviços não prestados
O músico Diogo Seixas, 35, tinha acabado de lançar um EP, no ano passado, quando recebeu o anúncio da Decibel. “A publicidade mostrava uma empresa especializada em impulsionar talentos. Como estava lançando uma música, achei por bem contratar os serviços oferecidos. Na minha cabeça, seria útil”, lembra. Assim que ele se encontrou com o CEO da Decibell, ouviu que o trabalho dele “era excelente, que havia adorado”. O empresário, inclusive, disse ao artista que ele deveria assinar o contrato com a agência o mais rapidamente possível.
“Tive uma primeira reunião com ele, na qual perguntei se a minha mulher poderia me acompanhar no ato da assinatura do contrato. Ele foi irônico, afirmando que aquilo seria um ato sigiloso, que não tinha porque uma outra pessoa presenciar aquele momento. Achei muito estranho, mas relevei”, conta Diogo, que mora em Matosinhos, no Norte de Portugal, e teve de se deslocar para Lisboa. “Lá, encontrei a Mónica, e acabamos ficando próximos, a ponto de compormos uma música juntos. Mas também naquele momento tudo foi muito estranho, comparamos nossos contratos, e os valores eram muito discrepantes. Pedimos explicações e o CEO da Decibell argumentou que nossos casos eram diferentes”, acrescenta.
A última vez que Diogo teve um contato efetivo com a Decibell foi por meio de uma videoconferência. “Um dos assessores de André Piolante, que se apresentava como Elton, sugeriu que eu me tornasse produtor musical da empresa, porque tinham gostado muito do meu trabalho. Dois dias depois, me enviaram um comunicado anunciando a rescisão unilateral de contrato. E ainda exigiam sigilo absoluto”, afirma. Ele destaca ainda que, desde que passou a se relacionar com a Decibell, a empresa já mudou quatro vezes de endereço para dificultar o contato. “Nem os fotógrafos nem os produtores de vídeos foram pagos”, complementa.
Outro lado
Em nota encaminhada ao PÚBLICO Brasil, o CEO da Decibell diz que a empresa é “especialista em agenciamento artístico, desenvolvimento de carreira, produção musical e estratégias de posicionamento digital”, acompanhando “artistas em diferentes fases de carreira, com o compromisso inabalável de criar condições reais e sustentáveis para o seu crescimento profissional”. No entanto, segundo ele, muitas vezes, há um “desalinhamento entre as expectativas dos artistas e a realidade do mercado artístico atual”.
André Piolanti destaca, ainda, que “muitos artistas procuram agências com a expectativa — muitas vezes ilusória — de que a simples assinatura de um contrato trará notoriedade imediata, resultados rápidos e acesso automático a palcos, meios de comunicação e sucesso”. Para ele, “esta visão, frequentemente alimentada por redes sociais e narrativas de sucesso instantâneo, não corresponde à verdade”, pois a “construção de uma carreira artística séria, sólida e com projeção pública exige trabalho, dedicação, paciência, consistência e compromisso diário”.
O empresário afirma, na mesma nota, que “os artistas acompanhados pela Decibell têm acesso integral aos planos de agenciamento”, com “reuniões presenciais e/ou por videochamada, de forma a garantir o esclarecimento de todas as dúvidas e a validação consciente das condições propostas”. Ele acrescenta que muitos dos artistas que integram ou integraram a estrutura da empresa “encontram-se numa fase inicial de carreira, o que, naturalmente, exige um maior investimento de tempo, recursos e trabalho estratégico do que artistas já consolidados no mercado”.
Piolante assinala que, quando os resultados não surgem de forma imediata, é frequente se observar uma quebra no empenho dos próprios artistas, “que rapidamente se desmotivam e interrompem os processos”. Para ele, “esse tipo de reação, embora compreensível, não pode ser imputado à empresa como incumprimento contratual”. Quanto ao fato de o site da Decibell estar fora do ar, o CEO diz que é “absolutamente falsa a afirmação de que o site foi retirado do ar em consequência de alegadas queixas” de artistas.
“Essa insinuação é infundada, caluniosa e não corresponde minimamente à realidade. O site oficial da Decibell encontra-se offline há vários dias por motivos exclusivamente técnicos, relacionados com atualizações internas, manutenção de segurança, reformulação de estrutura e otimização de conteúdos, a cargo da nossa equipe técnica e de comunicação”, frisa.