Depois de um percurso que a levou a passar por empresas como a Microsoft ou a Revolut, Rebeca Venâncio assumiu há duas semanas o cargo de head of communications & public affairs do Grupo Brisa. Entusiasmada com este novo desafio, quer ajudar a comunicar as boas histórias da empresa, ou não tivesse também um passado de cerca de oito anos ligado ao jornalismo.
“Trabalhei sempre tendencialmente em áreas onde a inovação e a tecnologia eram muito marcadas. Estou agora num setor diferente, muito focada em aprender sobre o legado da empresa, o seu negócio e indústria. É um setor novo para mim, mas estou completamente alinhada com aquilo que é a ambição da organização, que tem um desígnio nacional mas também os olhos postos em mercados internacionais. A minha maior ambição é ajudar a comunicar as boas histórias“, enquadra Rebeca Venâncio, em conversa com o +M.
Tendo a Brisa cerca de três mil colaboradores, tal representa para Rebeca Venâncio “um potencial de três mil boas histórias para contar“, uma vez que acredita que “as empresas são tão mais interessantes quanto as pessoas que têm lá dentro”. “O capital humano é, porventura, o recurso mais valioso que temos, e são estas histórias que quero encontrar. As empresas fazem-se de pessoas e gosto de representar empresas que gostam de contar as histórias dos feitos das suas pessoas“, acrescenta.
E isso passa por se escutar “aquilo que é o capital humano das organizações”. “Se há uma equipa que está a desenvolver o negócio e a criar um novo produto, que já é viável e que já está em fase de ser comunicado, quero ir atrás dessa história e perceber que como é que podemos amplificar este produto“, explica.
Desafios na comunicação “há sempre”, considera a profissional de 38 anos, que acredita que a sua formação em jornalismo pode ser uma boa ajuda. “Respeito muito a classe jornalística e que pode haver momentos em que a agenda das organizações e a agenda mediática não se cruzam. Tenho uma certa perceção daquilo que é ou não notícia e tento respeitar os jornalistas ao apresentar temáticas que sejam relevantes para as pessoas“.
“Ou seja, consigo fazer esta destrinça dos temas, que se calhar parecem muito relevantes a algumas pessoas dentro das organizações, mas que não o vão ser para o cidadão. E por isso é que às vezes os jornalistas se podem tornar bons profissionais de comunicação, precisamente porque têm este filtro“, refere.
“Nem sempre a empresa vai querer que todos os temas se tornem notícia, mas é importante garantir que os jornalistas contam connosco e sabem que, tendencialmente, as notícias que vêm dali são realmente relevantes e com interesse para o público em geral e não apenas para o conjunto de pessoas que representam a organização”, acrescenta.
É isto, portanto, que Rebeca Venâncio vai procurar fazer nas funções recentemente assumidas, onde vai dar continuidade à “comunicação sólida e muito profissional” da Brisa. “Queremos ser proativos a comunicar a ambição do grupo e a comunicar aquilo que tem vindo a ser feito pela organização, que é composta por todas as pessoas que cá trabalham e que fazem um excelente trabalho. São estas histórias que quero ir à procura, de requalificação, de desenvolvimento, de inovação, de produto, de internacionalização… são essas as histórias que eu espero poder ajudar a contar aqui dentro”, diz.
Licenciada em Ciências da Comunicação pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Rebeca Venâncio sempre teve a ambição de ser jornalista, embora cedo tenha percebido que “provavelmente não o seria a carreira toda”.
Começou por fazer um estágio curricular na SIC, entrando depois para os quadros do Diário Económico. Mais tarde foi desafiada para fazer televisão e integrar a CMTV, na altura em que o projeto estava a ser lançado pelo Grupo Cofina (atual MediaLivre), pelo que fez parte da equipa fundadora do canal, que foi também para si uma “escola ótima e super completa”, onde foi jornalista, coordenadora, e pivô. Mais foi para a TVI.
Enquanto jornalista viveue cobriu momentos marcantes como a crise económica e a vinda da Troika para Portugal — “anos difíceis mas com um forte pendor mediático” –, mas também o Campeonato Europeu de Futebol, em 2016, no qual a Seleção Nacional se viria a sagrar campeã. “Tive muitas experiências super enriquecedoras em áreas multidisciplinares. Às vezes fazia economia, outras vezes fazia política ou sociedade, na televisão há margem para esta diversificação dos temas e funciona um bocadinho em função da agenda. É muito interessante porque acabamos por ser um bocadinho generalistas, mas com muita visibilidade sobre a realidade daquilo que é o mundo e o nosso país“, entende.
Entretanto, ao longo dos anos e desde os tempos de faculdade, foi mantendo colaborações com publicações como a Notícias Magazine ou a Revista Sábado. “Adorava o jornalismo e gostava muito de televisão, mas também tinha um gosto muito particular por grande reportagem e escrita mais desenvolvida, e isto dava-me muita margem para explorar e para fazer trabalhos diversificados”, recorda.
Surgiu então depois a possibilidade de ingressar na Microsoft, focada já na área da comunicação, onde acabou por estar praticamente três “riquíssimos” anos. “Foi a primeira experiência e o meu primeiro contacto efetivo com a área da comunicação empresarial e correu muito bem”, recorda.
Mais tarde aceitou o desafio da Revolut, onde trabalhou na divulgação do produto e na apresentação da marca em território nacional, mas não sem muita ponderação, uma vez que estava a sair de uma empresa “muito sólida no mercado” para uma startup na intersecção da inovação e tecnologia com a área financeira e que “ainda não era muito conhecida em Portugal”.
“Na altura a Revolut tinha 90 mil clientes em Portugal, ainda era um bocadinho incipiente, então foi assim um salto de fé, não sabia se me ia dar muito bem, porque a equipa era muito curta localmente. Mas foi uma experiência também super enriquecedora e muito gira. O ambiente de startup é muito apaixonante e foi uma constatação de uma realidade completamente diferente daquela que tinha na Microsoft, que era um negócio muito mais sólido, com história, e que tinha uma máquina por trás que na Revolut não havia. Estas idiossincrasias são sempre estimulantes, especialmente para quem está a começar uma especialização na área“, refere.
Entretanto regressou à Microsoft, depois de já ter sido feita a separação entre o marketing e a comunicação — que já se pretendia há muito tempo e que se conseguiu em 2019 –, e estava lá a “cumprir o mandato”, quando, em licença de maternidade, surgiu o convite por parte da Brisa que, “por ser muito fora” da sua área de ação lhe “chamou bastante a atenção”.
“É uma empresa multimarca com um legado enorme, com muita história e muitos colaboradores. Estava na Microsoft, mas a representar uma subsidiária portuguesa de uma multinacional, pelo que havia alguma limitação em relação à margem do que podíamos desenvolver. E sempre tive a ambição de, eventualmente, trabalhar também uma marca portuguesa. E a forma como foi apresentada a ambição do grupo para o futuro foi também muito aliciante e acabou por justificar maioritariamente a minha decisão de vir conduzir esta equipa”, aponta.
A equipa é constituída por outras três pessoas e que conta com a colaboração da JLM&A, enquanto agência de comunicação.
Nascida em Lisboa — para onde regressou aos 18 anos — Rebeca Venâncio viveu a sua infância e adolescência em Tavira, no Algarve, o que considera que lhe permitiu uma “infância muito tranquila e muito próxima do mar”, algo que “valoriza imenso”.
A ida para a capital lisboeta exigiu um “tempo de adaptação”, uma vez que vinha de uma “realidade muito pequenina”. “Tavira é das cidades mais antigas em Portugal, é giríssima, adoro Tavira, mas é muito diferente de Lisboa. Houve aqui um processo de adaptação, mas a partir do segundo ano de faculdade já estava perfeitamente enturmada. Tavira será sempre o meu sítio para descansar, para estar com a minha família — os meus pais moram lá –, mas a minha vida faz-se em Lisboa e é onde faz sentido”.
Em Lisboa perdeu um pouco da disciplina desportiva que a natação, que praticou de forma federada entre os 10 e os 17 anos, lhe tinha dado, embora tenha chegado a frequentar o ginásio. Mais recentemente descobriu o pilates, estando a equacionar experimentar aulas de spinning ou “ginásio que envolva uma componente de artes marciais”. O padel é também um desporto que praticava antes de engravidar e que conta agora retomar por ser “super divertido, dinâmico e algo puxa” pelo seu “lado mais competitivo”.
Viajar é provavelmente aquilo que Rebeca Venâncio mais gosta de fazer, pela possibilidade que lhe dá de “sair e ir conhecer outras realidades, outros mundos, outras culturas”. “É uma coisa que faço sempre que posso e que quero incutir na minha filha também, porque acho que o mundo é o bem mais inestimável que lhes podemos dar e quero muito poder proporcionar-lhe isso ao longo da sua vida“, refere.
Também adora música e ir a concertos e festivais, já tendo bilhetes comprados para a vinda a Portugal de Tamino, artista belga-egípcio. Na verdade, descobre muitos artistas e bandas por intermédio do seu companheiro, que é “muito eclético do ponto de vista da música” e que a “arrasta para coisas um pouco mais fora da zona de conforto”.
“Não sou muito das modas mais atuais, oiço um bocadinho de tudo, e não sou também uma super fã de um artista em particular. Não me veriam numa fila três dias antes para conseguir comprar bilhetes para um determinado concerto”, diz, revelando que gosta particularmente de Billie Eilish. A nível nacional acompanha a carreira de Carminho, que considera ter “uma voz incrível” e que “tem sido capaz de se internacionalizar e de internacionalizar algo muito português, como é o fado”. “Acho bonito que se (o fado) reinvente e se leve lá para fora”, diz.
Algo que valoriza cada vez mais é mesmo o tempo que passa com a família e os amigos, tentando sempre aproveitar e desfrutar ao máximo desses momentos em conjunto. “Sou muito portuguesa no sentido em que gosto muito dos momentos à mesa com a família e com amigos, convívios de longas horas em que perdemos um bocadinho a noção do tempo“, observa.
Rebeca Venâncio em discurso direto
ㅤ
1 – Qual é a decisão mais difícil para um responsável de comunicação?
A decisão de comunicar ou não comunicar em momentos de crise. O momento de definição da abordagem perante arriscar o peso (e a responsabilidade) do silêncio ou a avaliação de risco com a criação potencial de um ciclo noticioso maior é, provavelmente, a decisão mais difícil para os responsáveis nesta área.
ㅤ
2 – No (seu) top of mind está sempre?
A autenticidade. Não acredito em comunicação corporativa que não seja genuína. O tom de voz pode atualizar-se, as culturas organizacionais evoluem, mas a autenticidade da comunicação nas organizações é fundamental, tanto interna como externamente.
ㅤ
3 – O briefing ideal deve…
Ser objetivo, abrangente, unívoco, mas também sintético na medida do possível.
ㅤ
4 – E a agência ideal é aquela que…
Antecipa as necessidades dos clientes e tem um papel proativo na definição de estratégias e planos de comunicação. É fundamental que esteja informada, esteja atenta ao mercado, tenha memória histórica e enquadramento empírico sobre o setor da organização que representa.
ㅤ
5 – Em comunicação é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?
Acredito que tanto na comunicação como na vida riscos calculados são, muitas vezes, uma boa estratégia.
ㅤ
6 – Como um profissional de comunicação deve lidar e gerir crises?
Com ponderação, sensatez, inteligência e dados.
ㅤ
7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?
Aquilo que mais me apaixona na área da comunicação corporativa é a possibilidade de encontrar, mapear e contar histórias relevantes dentro das organizações. Meios ilimitados significa, potencialmente, histórias ilimitadas. Investiria nessa pesquisa e consequente produção de conteúdos; ações de sensibilização e formação; desenvolvimento de ações de impacto – internas e externas.
ㅤ
8 – A comunicação em Portugal, numa frase?
É uma generalização e, há sempre exceções, mas diria que a comunicação em Portugal é tipicamente tradicional e avessa ao risco.
ㅤ
9 – Construção de marca é?
É um processo, não linear, que honre a história e a memória das organizações, mas focada no futuro. A marca é um organismo vivo, não é estanque. Construí-la é permitir-lhe esta atualização, esta maturação, respeitando o seu legado.
ㅤ
10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em comunicação?
É-me muito difícil ser concreta porque nunca tive uma ambição muito diferente do percurso que tenho construído. Mas qualquer profissão que me permitisse viajar pelo mundo, ter contacto com pessoas e culturas diferentes, seria, certamente, algo que me traria muito prazer.