Novo livro de Carlos Guimarães Pinto, deputado e ex-presidente da Iniciativa Liberal, é apresentado a 5 de junho. O ECO antecipa excertos do "Liberalismo: a ideia que mudou o mundo".
O liberalismo transformou o mundo como o conhecemos. Uma pessoa que vivesse no início do século XVIII tinha um estilo de vida muito mais parecido com o de uma pessoa que tivesse vivido dois milénios antes do que com o de uma pessoa que viva atualmente nas sociedades ocidentais. O progresso económico, social e cultural nos últimos trezentos anos foi inigualável na história da humanidade.
Antes do aparecimento do liberalismo, as sociedades eram maioritariamente feudais, com economias agrárias, hierarquias rígidas e pouco espaço para mobilidade social ou inovação. Tudo isso mudou com o aparecimento do liberalismo clássico e todas as mudanças e revoluções que inspirou no Ocidente.
Mas afinal, o que é esta ideia revolucionária que mudou o mundo como o conhecemos? O que é, afinal, o liberalismo? Para alguém, como eu, que anda há tanto tempo a defender o liberalismo, esta é uma pergunta surpreendentemente difícil de responder. Numa altura em que quase tudo se comunica em frases rápidas e vídeos curtos, responder a essa pergunta sem perder a atenção do interlocutor é um desafio complexo. Felizmente, muitas das pessoas que me fazem essa pergunta desejam algo mais do que um tweet ou um tiktok. A maioria pede-me um livro para ler.
Embora existam vários bons livros que introduzem conceitos do liberalismo, e por autores bem mais distintos, sempre tive dificuldade em escolher um que apresentasse de forma simples e resumida o que é o liberalismo em todas as suas vertentes, de onde vem e como se concretiza. Alguns falam dos princípios, mas não dos pensadores que os introduziram. Outros falam dos pensadores, sem depois explicarem como esse pensamento se aplica a questões reais do nosso tempo. Outros são demasiado complexos para quem quer começar a perceber o que é o liberalismo. Inevitavelmente, as minhas recomendações incluíam sempre pelo menos três ou quatro livros de um lote de vinte ou trinta possíveis, o que desmotivava muitos de iniciarem esse percurso de descoberta. Foi dessas interações que surgiu a motivação para escrever este livro. Este livro condensa, então, as ideias de várias dessas recomendações que fui dando ao longo do tempo, com um inevitável toque pessoal.
O liberalismo é uma filosofia política, social e económica que coloca a liberdade individual no centro da organização da sociedade, limitando o poder do Estado sobre o indivíduo e promovendo um ambiente em que cada um possa atingir o seu potencial. É a ideologia mais influente da história moderna dos países desenvolvidos, com raízes que remontam ao Iluminismo. Não há país hoje classificado como desenvolvido que não tenha, a certa altura, adotado pelo menos alguns dos princípios fundamentais do liberalismo. O sucesso económico e social dos países nos últimos três séculos é, em boa parte, proporcional ao grau com que adotaram políticas e instituições liberais.
O sucesso do liberalismo também se identifica pelos seus inimigos. Foi contra o crescimento do liberalismo nos séculos anteriores que no século XX emergiram dois dos regimes mais perversos da história da humanidade: o fascismo e o comunismo. Sem capacidade de se imporem pela razão e pelo sucesso das suas experiências passadas, como o liberalismo conseguia fazer, as duas ideologias tentaram impor-se pela força, deixando para trás um rasto de miséria e morte. Mesmo assim, apesar da força das armas, falharam em superar o liberalismo como referência política do mundo Ocidental.
Após um período de recuo com consequências trágicas para o mundo, as ideias liberais definiram a ordem mundial desde a segunda metade do século XX, um dos períodos de maior progresso da história da humanidade. Ainda hoje, contra o liberalismo, vão aparecendo correntes políticas, algumas derivadas das anteriores, determinadas a restringir a liberdade, os direitos individuais e o desenvolvimento económico. O apelo emocional dessas ideologias pode conseguir temporariamente vencer em popularidade o liberalismo, mas, pelo menos por enquanto, a racionalidade dos princípios liberais acaba sempre por prevalecer.
Ao contrário das principais ideologias concorrentes, o liberalismo não aspira a um mundo utópico. O liberalismo reconhece a complexidade e a imperfeição humanas. Nenhum liberal considera que a aplicação das políticas que defende irá resultar no fim de todo o sofrimento humano, porque esse é um objetivo inalcançável. Aceita, no entanto, que as políticas liberais são as que mais reduzem, gradualmente, o sofrimento humano e a escassez, limitando o impacto das imperfeições da natureza humana na organização da sociedade.
Ao contrário das principais ideologias concorrentes, o liberalismo não aspira a um mundo utópico. O liberalismo reconhece a complexidade e a imperfeição humanas. Nenhum liberal considera que a aplicação das políticas que defende irá resultar no fim de todo o sofrimento humano, porque esse é um objetivo inalcançável. Aceita, no entanto, que as políticas liberais são as que mais reduzem, gradualmente, o sofrimento humano e a escassez, limitando o impacto das imperfeições da natureza humana na organização da sociedade.
A essência do liberalismo reside na defesa da liberdade individual e do desenvolvimento humano, aspirando a uma sociedade aberta, democrática e pluralista. No entanto, a forma como esta descrição generalista se aplica às várias componentes da vida em sociedade pode variar substancialmente. Nos mais de três séculos de história do liberalismo moderno não faltam episódios de debates entre pessoas autointituladas liberais que discordavam substancialmente entre si, apesar de partilharem o mesmo conjunto de valores. As pessoas são mais complexas do que as caixas ideológicas em que muitas vezes tentamos enfiá-las. Como tal, a definição de liberal pode ser mais relativa do que absoluta e mais circunstancial do que estática. Um liberal em Portugal no século XXI até pode partilhar do mesmo conjunto de valores que um liberal escocês no século XVIII, mas terá preocupações diferentes, porque as circunstâncias são também distintas. O mundo muda e, com ele, mudam também as preocupações e bandeiras políticas dos liberais. (…)
O liberalismo económico defende que as economias funcionam melhor quando as decisões sobre produção, consumo e distribuição de bens e serviços são guiadas pelas pessoas e empresas numa lógica de mercado, e não pelas mentes iluminadas dos governantes. Este pensamento baseia-se na ideia de que o mercado livre é o instrumento mais eficaz para alocar recursos de forma eficiente, promover a inovação e melhorar o bem-estar geral. O liberalismo económico desempenhou, e ainda desempenha, um papel fundamental no impulso do crescimento económico e da prosperidade entre os países desenvolvidos. A adoção de princípios economicamente liberais tem, historicamente, gerado crescimento e desenvolvimento económico, mesmo entre países que os adotaram já tarde na sua história.
Para que uma economia de mercado possa funcionar bem, é preciso, em primeiro lugar, que existam mecanismos de defesa da propriedade privada. O direito de possuir e dispor de bens e recursos é central para a liberdade económica e para a criação de riqueza. Sem esse direito não se podem realizar trocas voluntárias, nem poupar para investir, por exemplo. Sem garantia de propriedade privada, a relação entre pessoas deixa de ser colaborativa e passa a extrativa, com todos os riscos que daí decorrem para uma economia de mercado. Sem a garantia do respeito da propriedade privada, subtrair a propriedade privada a alguém mais fraco pode ser mais fácil do que produzir algo que essa pessoa queira comprar. Em vez de uma relação de troca, em que ambas as partes beneficiam, temos uma relação extrativa, de soma nula, em que tudo o que uma parte ganha, a outra tem de perder. Num cenário deste tipo, poucos irão poupar porque não terão a garantia de poderem no futuro ficar com aquilo que pouparam. Sem poupança não há investimento e sem investimento não há crescimento. Sociedades sem propriedade privada não podem ter economias de mercado e ficam eternamente estagnadas.
Em segundo lugar, é necessário que exista livre concorrência, de forma que diferentes projetos empresariais se confrontem de forma legítima, incentivando a eficiência e a inovação. A concorrência beneficia os consumidores ao oferecer-lhes uma ampla gama de escolhas e incentivar as empresas a melhorar continuamente os seus produtos e serviços. O mercado livre serve como um mecanismo para descobrir e responder às preferências dos consumidores, transformando efetivamente os consumidores em árbitros da dinâmica concorrencial de mercado. Economia de mercado sem concorrência é um conceito tão realista como democracia de partido único.
Em terceiro lugar, deve existir livre iniciativa, ou seja, liberdade para pessoas trabalharem e investirem no que acharem melhor, ou onde acharem que serão mais bem remuneradas. Livre iniciativa é essencial para existência de concorrência. Inclusivamente, é uma forma de concorrência potencial. Mesmo em setores em que existam poucos concorrentes, a possibilidade de entrarem mais concorrentes força uma disciplina em tudo semelhante à existência de concorrência. Mas a livre iniciativa é, acima de tudo, um direito humano, no sentido em que a profissão de alguém é uma parte importante da sua identidade, da sua forma de expressão e contribuição para a comunidade, por isso, não deve ser sujeita a restrições desnecessárias.
Em quarto lugar, uma economia de mercado dispensa uma intervenção excessiva do Estado na economia, para além da defesa da propriedade privada, regulação de externalidades, garantia de cumprimento de contratos e de condições de concorrência leal.
O liberalismo económico é, acima de tudo, a defesa da liberdade individual aplicada à esfera económica. Ele reconhece que as pessoas são as melhores juízas das suas necessidades e que os mercados livres são os meios mais eficazes para criar riqueza, promover a inovação e melhorar o bem-estar geral.
O liberalismo económico é, acima de tudo, a defesa da liberdade individual aplicada à esfera económica. Ele reconhece que as pessoas são as melhores juízas das suas necessidades e que os mercados livres são os meios mais eficazes para criar riqueza, promover a inovação e melhorar o bem-estar geral.
Apesar de ser o pilar com mais adversários políticos, o liberalismo económico continua a ser uma força fundamental de desenvolvimento económico e humano no mundo contemporâneo, mostrando que a liberdade, acompanhada de responsabilidade, pode transformar sociedades e abrir caminho para um futuro mais próspero e justo. (…)
É difícil exagerar quando se fala na importância da saúde, que é a principal determinante da duração e qualidade do bem mais precioso que temos: a vida. Índices de saúde como a esperança média de vida ou a mortalidade infantil são indicadores fundamentais do avanço social. Nenhuma sociedade que falhe nestes indicadores pode dizer-se evoluída, independentemente da sua situação económica.
Os sistemas de saúde representam, por isso, um dos aspetos mais complexos da organização social, combinando preocupações de humanismo, eficiência e sustentabilidade. Para os liberais, é particularmente desafiante desenhar o sistema de saúde ideal para cada país, porque em cada escolha estão em confronto considerações sobre ineficiências tanto do mercado como do Estado.
Para começar, podemos olhar para os sistemas possíveis, que podem ser categorizados, de forma simples, de acordo com dois critérios: quem paga e quem presta os cuidados de saúde. Num sistema completamente privado, tanto o pagamento como a prestação de cuidados de saúde são feitos por privados. Uma pessoa faz um seguro de saúde ou paga ela própria os cuidados de saúde a prestadores privados quando necessita deles. Os prestadores privados podem ter como objetivo o lucro ou motivos altruístas. Como a necessidade de cuidados de saúde é imprevisível e potencialmente muito cara, neste sistema, semelhante ao que existe nos Estados Unidos, existe o sério risco de algumas pessoas ficarem sem acesso a cuidados essenciais ou então perderem repentinamente o seu bem-estar material devido a um problema de saúde. Dada a complexidade dos contratos com seguradoras, mesmo a contratação de um seguro nem sempre é garantia de acesso a todos os cuidados de saúde necessários caso algo corra mal. Muito poucos liberais fora dos Estados Unidos veem este sistema como ideal.
No extremo oposto, temos o sistema Beveridgiano (nome derivado do seu proponente original, William Henry Beveridge), que é o existente em Portugal, Reino Unido e boa parte dos países nórdicos. Neste sistema, tanto o pagamento como a prestação de serviços estão a cargo do Estado. O Estado é proprietário de unidades de saúde e hospitais, onde emprega pessoal médico que presta os cuidados de saúde de forma gratuita (ou com pequenos pagamentos para moderar a procura) a quem deles necessita. Este sistema elimina o risco de alguém ficar sem acesso a cuidados de saúde por incapacidade económica, mas tende a ser mais ineficiente. Sem um incentivo claro à boa gestão das unidades de saúde, é comum haver desperdício de recursos, tanto materiais como humanos. Sendo gratuito, é também habitual a procura superar a capacidade da oferta, gerando filas de espera que podem, em muitos casos, resultar em incapacidade de prestar cuidados essenciais. A ausência de alternativas pode deixar os doentes numa situação complicada em que, mesmo que queiram pagar, não conseguem aceder a cuidados médicos no seu próprio país. Sem grandes surpresas, muitas vezes este sistema acaba complementado por um sistema completamente privado para onde pessoas com mais rendimento (ou que, ganhando pouco, sacrificam outras despesas) podem aceder a alguns cuidados de saúde de forma mais rápida. Ou seja, acaba por se criar um sistema dual: acesso gratuito, mas mais demorado, para os mais pobres, e acesso pago, mas mais rápido, para quem tem maior capacidade financeira.
Finalmente, temos o sistema Bismarkiano (batizado com o nome do ex-chanceler alemão Otto von Bismarck), em que o financiamento é feito pelo Estado, mas a prestação é feita por privados. Este é o sistema preferido pela maioria dos liberais europeus porque, por um lado, garante que todos têm acesso gratuito (ou quase) a cuidados de saúde e, por outro, introduz liberdade de escolha e concorrência na prestação de cuidados de saúde, incentivando a uma gestão mais eficiente. Mesmo dentro deste sistema, existem formatos diferentes. Nalguns casos, para além dos prestadores privados também podem existir prestadores públicos, como acontece, por exemplo, na Irlanda. Noutros casos, o financiamento não é feito diretamente pelo Estado, mas sim através de seguros de saúde obrigatórios e altamente regulados para quem trabalha, cabendo ao Estado financiar os seguros de saúde de quem não tem rendimentos. Os modelos podem apresentar algumas diferenças, mas a base é a mesma: o Estado garante o pagamento através da receita de impostos ou de contribuições específicas e as pessoas podem escolher o prestador que preferem, incluindo prestadores privados. Sendo este o sistema mais adequado de uma perspetiva liberal, ainda assim não está isento de desafios.
O primeiro grande desafio é garantir que os prestadores privados não definem preços demasiado elevados para os cuidados de saúde ou prestam cuidados desnecessários, confiando que o Estado pagará sempre e tem capacidade de fiscalização limitada. Existindo bastante assimetria de informação (os médicos e hospitais sabem muito melhor do que os pacientes ou os burocratas quais os cuidados de saúde de que cada pessoa realmente necessita), pode ser tentador para um prestador exagerar nos cuidados que um paciente precisa para poder cobrar mais. Esta é uma das principais fragilidades do sistema, mas pode ser combatida de várias formas.
Uma delas é ter funcionários do Estado com formação médica a fiscalizar os cuidados prestados. O Estado pode nomear guardiões dos pacientes, por exemplo, atribuindo um médico de clínica geral a cada um, que ficará responsável por marcar consultas, exames e seguir o seu processo (algo semelhante ao médico de família em Portugal).
Outra forma de o fazer é criando incentivos ao nível do pagamento, ou seja, sistemas de seguro privados que tenham incentivos a incluir na sua rede de prestação de cuidados parceiros que não exagerem nos preços ou na quantidade meios usados. Em alguns casos as seguradoras tornam-se, elas próprias, prestadoras de cuidados de saúde, alinhando os incentivos entre quem paga e quem presta cuidados. Mas esta última opção traz os seus próprios desafios porque, embora seja indesejável prestar cuidados de saúde desnecessários para gerar mais receitas, também é indesejável prestar cuidados a menos para evitar custos demasiado altos. Será sempre um equilíbrio muito complicado, sendo que a solução certa dependerá sempre de fatores como a prática, a cultura cívica de cada país e a qualidade das suas instituições, especialmente dos reguladores.
Outro cuidado especial que é importante ter no caso da saúde prende-se com o processo de transição para uma solução mais liberal, com mais liberdade de escolha. A saúde é um setor muito específico e sensível, que não pode parar em nenhuma altura. A toda a hora há pessoas a necessitarem de cuidados essenciais e urgentes, para poderem continuar a ter uma vida saudável ou mesmo manterem-se vivas.
Outro cuidado especial que é importante ter no caso da saúde prende-se com o processo de transição para uma solução mais liberal, com mais liberdade de escolha. A saúde é um setor muito específico e sensível, que não pode parar em nenhuma altura. A toda a hora há pessoas a necessitarem de cuidados essenciais e urgentes, para poderem continuar a ter uma vida saudável ou mesmo manterem-se vivas. Na medida em que processos de transformação trazem sempre disrupção e respetivos custos de transição, qualquer transformação estrutural num sistema de saúde deve ser desenhada de forma a criar o mínimo de disrupção possível. Um liberal até pode desenhar a estrutura ideal para o sistema do seu país, mas, ainda assim, essa transformação ser indesejável, mesmo existindo condições políticas para a fazer. Deveremos ter sempre em conta o ponto de partida no desenho de políticas de saúde, introduzindo alterações graduais e não disruptivas. Em casos mais extremos, até pode ser indesejável chegar ao sistema ideal, se isso significar um processo de disrupção com custos de transição tão elevados que superam os benefícios após a transição estar completa.
Num sistema altamente estatizado como o português, em que tanto o financiamento como a prestação de cuidados estão nas mãos do Estado, o processo de transição não poderá depender exclusivamente de prestadores privados nem de passar as atuais pesadas estruturas burocráticas para as mãos de privados, na esperança de que as melhorem rapidamente. Qualquer processo de transição passará sempre por ir permitindo mais liberdade de escolha dentro do sistema existente, começando por abrir a prestação de alguns cuidados de saúde a privados, sempre de forma gradual, e testar as dificuldades e ineficiências do processo. Simultaneamente, dar mais autonomia operacional e financeira às unidades de saúde públicas para que possam melhorar os seus processos internos. Outro processo gradual é ir passando a gestão de alguns hospitais centrais ou unidades de saúde locais para privados, sob a forma de parcerias público-privadas. Os novos hospitais ou unidades de saúde são o local ideal para introduzir estas alterações, porque não têm os vícios de gestão dos mais antigos. Alternativamente, não sendo possível que os prestadores sejam privados ou de gestão privada, podem inserir- -se mecanismos de incentivos na forma de gestão pública – por exemplo, pagando bónus ao pessoal médico por atingir um conjunto de métricas de saúde pública e produtividade. (…)
A tolerância sustenta e promove a liberdade individual, o progresso social e a harmonia cívica, sendo um dos princípios basilares da vertente cultural e social do liberalismo. A tolerância enquanto princípio representa a aceitação da diversidade, mas também o reconhecimento e o respeito por essas diferenças.
A tolerância é a recusa de interferir nos comportamentos ou ações com as quais não se concorda. Essa definição implica duas características essenciais: a desaprovação de determinado comportamento e a recusa em impor as próprias opiniões aos outros. É importante referir isto, porque ninguém se poderá dizer tolerante se aplicar essa suposta tolerância apenas a comportamentos e ações com as quais concorda. Neste contexto, por definição, tolerar é a capacidade de não interferir com aquilo de que se discorda. Para não interferir com aquilo com que se concorda não é preciso ser tolerante.
Por outro lado, é importante distinguir a tolerância da indiferença moral ou do relativismo moral. A indiferença moral implica a falta de interesse nas consequências morais das ações dos outros, enquanto o relativismo moral sugere que todas as moralidades são igualmente válidas. A tolerância não implica indiferença ao nível individual, nem relativismo, apenas a capacidade de não impor aos outros as nossas visões. A tolerância exige uma base moral firme que permita, simultaneamente, reprovar certas ações e não interferir nelas.
A tolerância é crucial para a coexistência pacífica em sociedades plurais e diversas. Ao aceitar que os indivíduos têm o direito de seguir as suas próprias regras e visões sobre o que é o bem, mesmo que sejam radicalmente diferentes das nossas, a tolerância promove a liberdade individual e a harmonia social. Permite a cada um ser livre de se expressar como bem entender, ser único, como se espera que sejam os seres humanos. Além disso, a tolerância é uma componente essencial do progresso social e intelectual. Permitir que diferentes ideias e modos de vida floresçam e sejam debatidos livremente facilita a descoberta da verdade e a inovação.
A tolerância é crucial para a coexistência pacífica em sociedades plurais e diversas. Ao aceitar que os indivíduos têm o direito de seguir as suas próprias regras e visões sobre o que é o bem, mesmo que sejam radicalmente diferentes das nossas, a tolerância promove a liberdade individual e a harmonia social. Permite a cada um ser livre de se expressar como bem entender, ser único, como se espera que sejam os seres humanos. Além disso, a tolerância é uma componente essencial do progresso social e intelectual. Permitir que diferentes ideias e modos de vida floresçam e sejam debatidos livremente facilita a descoberta da verdade e a inovação.
Um dos primeiros apelos filosóficos à tolerância veio do poeta inglês John Milton, no seu panfleto Areopagítica de 1644. Milton protestou contra a Portaria de 1643 do Parlamento para a Regulamentação da Impressão, que exigia que todas as publicações de imprensa fossem autorizadas pelo governo antes de serem publicadas. O próprio John Milton tinha sido censurado por publicar panfletos em defesa do divórcio, visto como herege e promotor da libertinagem sexual. Milton argumentou que a virtude só pode ser alcançada se também se conhecer o vício, que censores não são infalíveis e que as opiniões devem ser defendidas e contrariadas, e não silenciadas. Milton foi um dos primeiros pensadores a fornecer uma defesa fundamentada da liberdade de escrever e publicar. Anos mais tarde, John Locke, na sua Carta sobre a Tolerância (1689), argumentou que o papel do Estado é proteger a vida, a liberdade e a propriedade, e não se imiscuir nas almas dos homens.
A tolerância é essencial para uma aproximação à verdade. A verdade só pode ser descoberta através da competição livre de ideias. Uma pessoa só pode chegar à verdade, ou melhor, à sua verdade, ouvindo e considerando argumentos e opiniões diferentes. Se uma pessoa só está exposta a uma opinião, nunca irá perceber se essa opinião está errada. A exposição a muitas opiniões, mesmo que sejam quase todas erradas ou absurdas é essencial para a formação de uma opinião pessoal mais próxima da sua verdade. Uma pessoa é livre de não querer estar exposta a certas opiniões ofensivas, absurdas ou erradas, mas não deve ser impedida de as ouvir se tal for o seu desejo. Este processo de deliberação é fundamental para o progresso intelectual e moral.
Há uma distinção importante no pensamento liberal entre a vida pública e a privada. As pessoas devem ser livres para acreditar nas ideias mais absurdas, desde que essas crenças (ou, melhor, a atuação sobre essas crenças) não interfiram nos direitos dos outros. Este princípio permite a existência de uma diversidade de opiniões e modos de vida.
Uma das principais ameaças à tolerância é o fundamentalismo, seja de natureza religiosa, ideológica ou política. Os fundamentalistas acreditam possuir a verdade absoluta e, portanto, sentem-se justificados a impor as suas crenças aos outros. Quando esses fundamentalismos se fundam em utopias, sejam de âmbito religioso ou político, tornam-se particularmente perigosos. Quem acredita perseguir uma utopia, considera que todos os meios são justificados para atingir os seus fins, sendo o primeiro desses meios a eliminação de quem pensa de forma diferente, podendo colocar em causa essa utopia. Este tipo de intolerância é incompatível com uma sociedade livre, na qual a diversidade de opiniões e modos de vida deve ser respeitada. O fundamentalismo pode ter várias facetas e níveis de gravidade, desde a cultura de cancelamento até pelotões de fuzilamento e genocídios.
Muitas vezes, a intolerância em relação ao comportamento dos outros é justificada pela alegação de que certas atividades prejudicam aqueles que as praticam. No entanto, essa justificação pode levar à supressão de praticamente qualquer atividade, ameaçando a própria liberdade. A proibição do uso de drogas recreativas é um desses exemplos que frequentemente resulta em mais danos para a sociedade devido à criminalização do que o próprio uso das substâncias.
A prática da tolerância, como um princípio liberal, enfrenta desafios constantes num mundo em rápida mudança. A tecnologia e a comunicação na era digital, por exemplo, expõem continuamente as pessoas a uma variedade de culturas e opiniões. Esta exposição tanto pode tornar as pessoas mais tolerantes como pode causar mais reações adversas por expor pessoas a comportamentos que desconheciam. A difusão do ódio e da intolerância também se tornou mais fácil. Em última análise, a tolerância no pensamento liberal é uma celebração da diversidade humana e uma defesa fervorosa da liberdade individual, essenciais para a construção de sociedades livres e prósperas.