Numa sociedade onde os ecrãs se tornaram presença constante na vida quotidiana, o equilíbrio entre o mundo digital e a convivência familiar ou na escola revela-se um desafio crescente. Este é o tempo em que vivemos, em pleno século XXI. Se por um lado, a abundância digital é enorme, em muitas casas, de muitos das nossas crianças, o que existe é um espaço de completa ausência parental, em que se substituiu, muito mais do que na escola, o toque emocional pelo toque nos ecrãs dos telemóveis.
Este motivo leva-nos a questionar, será que devemos considerar a proibição da utilização dos telemóveis na escola, quando esta não é trabalhada em casa, onde falta tanto acompanhamento e conhecimento? Se temos pais que não reconhecem os abusos de ecrã que existem em casa ou os maus exemplos que dão, poderá a escola colocar-se à margem desta educação global e não ajudar, lavando as mãos do processo educativo dos nossos jovens? É um facto, que o abuso do uso de ecrãs é enorme, mas não será este diluído nas escolas e intensificado fora delas, que nos deverá preocupar, enquanto pais e sociedade? Não deve ser a escola a proibir, mas regular o seu uso, a tempos, espaços e atividades objetivas?
Sabemos que os pais e filhos partilham o mesmo sofá, mas, muitas vezes, não o mesmo olhar, por estarem entre dezenas de notificações, vídeos, jogos e redes sociais, a parentalidade digital tornou-se uma travessia exigente, onde o equilíbrio entre presença e tecnologia é mais urgente do que nunca. Ser pai ou mãe, hoje, implica cuidar, incluindo decidir quando desligar. E essa decisão começa, muitas vezes, por nós mesmos.
A pensar nos pais e professores, reunimos dez estratégias práticas e fundamentadas para promover um uso saudável da tecnologia em família, com especial atenção às crianças. A gestão do tempo de ecrã, a importância do exemplo, os cuidados com conteúdos e a necessidade de atividades alternativas são apenas alguns dos pilares abordados neste artigo, essencialmente, sobre parentalidade digital dos tempos modernos.
1. Aproveitar integralmente o tempo que passam juntos
A gestão do tempo de ecrã começa com a valorização do tempo em família e para isso, devem definir momentos específicos para utilização dos dispositivos. Estabelecer regras claras, como a não-utilização durante as refeições, afastando todos os telemóveis da mesa. O momento de jantar em família deve ser usado para conversas em que as crianças possam partilhar como correu o seu dia. Poderá ser uma boa prática, o momento em que pais e filhos estão juntos em atividades, evitarem o olhar para as notificações dos telemóveis, mantendo o foco e atenção na relação e não no dispositivo, atribuindo horários em que não se encontram disponíveis para esse digital, reforçando os laços emocionais. Uma boa prática é avisar antecipadamente amigos e colegas de que estará disponível apenas a partir de uma determinada. Outro bom exemplo será criar rituais diários ou semanais, como noites de jogos em família ou o domingo sem ecrãs.
2. Dar o exemplo, sendo o adulto responsável
O comportamento dos pais em relação à tecnologia serve como espelho para os filhos. Mesmo quando o uso do ecrã tem uma justificação profissional, as crianças não conseguem distinguir entre trabalho e lazer, vendo apenas a atenção dirigida ao dispositivo. Para promover um relacionamento mais saudável com a tecnologia, é importante mostrar, na prática, que o tempo fora do ecrã também tem valor. Será bom criar zonas sem ecrãs em casa, como os quartos, para reforçar o valor da convivência e partilhar com os filhos as dificuldades que também temos com o abuso dos ecrãs, para que o tema seja mais humano e empático, para isso, saibamos ilustrar a nossa responsabilidade, desligando o telemóvel por escolha própria, em alguns momentos.
Sabemos que as crianças, por vezes, sentem o tédio, de nada terem ou saberem o que fazer, mas ao invés de, oferecermos no imediato atividades com o digital, devemos permitir que sintam esse estado que, longe de ser negativo, pode estimular a criatividade e a imaginação. Apenas se o tédio for excessivo devemos sugerir atividades lúdicas concretas, como desenhar, jogar ou brincar com jogos analógicos, evitando, desde logo, o jogo digital como única alternativa.
3. Tornar o seu telemóvel à prova de crianças
Se os seus filhos utilizam, ocasionalmente, o seu telemóvel ou tablet, é essencial garantir a sua segurança digital. A publicidade que surge nos seus dispositivos é personalizada nas aplicações instaladas e com base no seu histórico de pesquisas e interações, pelo que pode conter conteúdos impróprios para menores. Para além disso, uma criança pode, inadvertidamente, aceder a emails de trabalho, mensagens privadas ou redes sociais, com consequências inesperadas. A limitação ao uso do telemóvel do adulto deve existir com palavras-passe ou perfis para crianças, usar aplicações com controlo parental, de forma a garantir que a utilização dos dispositivos é segura e adequada à idade. Uma boa opção é instalar uma ou duas aplicações educativas seguras, escolhidas com os filhos. Ainda assim, se uma criança usar o telemóvel do adulto, este deve ser um supervisor e monitorizar a sua utilização, porque também não deixamos uma criança sozinha no mar, quando vai à praia, porque a deixaríamos navegar livremente online?
4. Escolher boas aplicações
A quantidade de tempo de ecrã deve ser proporcional à idade da criança e sempre supervisionada, conforme referimos anteriormente. Assim, até aos 18 meses, o ideal é evitar qualquer exposição a um telemóvel ou tablet, não se justifica que o combate à frustração da criança seja resolvido com base na estimulação de um qualquer vídeo no YouTube. Essa utilização poderá existir, mas com fins pedagógicos e educativos. Entre os 2 e os 3 anos, o tempo máximo recomendado é de 15 minutos por dia, considerando os pressupostos anteriores, boas escolhas, que justifiquem educação e não entretenimento. Dos 4 aos 6 anos, esse tempo pode ser estendido até uma hora diária, com especial dedicação aos jogos com valor pedagógico, por serem aliados poderosos na aprendizagem e na estimulação cerebral. Será interessante conhecer aplicações que estimulem a criatividade, como as de desenho, música ou construção (Toca Boca, LEGO Builder), que requeiram pausas e estimulem a resolução de problemas. Testar previamente as aplicações antes de autorizar o uso pela criança também é um bom princípio. Porém, convém recordar que qualquer utilização digital não se deve verificar antes da hora de dormir e nestas idades, sugerem-se aplicações educativas de com ritmo lento, sempre equilibradas com atividades físicas e criativas como a pintura, o brincar ao ar livre ou o uso de outros brinquedos mais tradicionais.
5. Prestar atenção aos limites de idade
Qualquer brinquedo, analógico ou digital, programa de televisão ou filme, tem recomendações etárias, seja, com base no conteúdo e na forma, fazem-se recomendações para que determinadas idades possam ver, ouvir ou jogar. As classificações etárias dos videojogos, como a classificação PEGI (Pan-European Game Information), ajudam a identificar conteúdos adequados a diferentes faixas etárias. Atualmente, a IGAC - Inspeção-Geral das Atividades Culturais, atesta a classificação PEGI em todos os videojogos vendidos em território nacional (consola e PC). Contudo, nem sempre revelam a complexidade da jogabilidade ou o impacto emocional do jogo. Deste modo, podem consultar os recursos como a Common Sense Media para obter análises mais completas e contextualizadas sobre jogos. Criar um quadro de regras digitais com base nas idades dos filhos, num sistema de créditos horários, permutando as atividades digitais e ao ar livre é uma boa alternativa, sempre negociada em família. Em famílias com crianças de várias idades, é importante que os filhos mais velhos ajudem a proteger os mais novos, evitando a exposição a jogos ou vídeos inadequados.
6. Não usar o ecrã como babysitter
Atualmente, é compreensível recorrer, ocasionalmente, ao YouTube, para visualizar vídeos e recursos que são de extrema utilidade e ótimos para muitas aprendizagens, tal é demonstrado em estudos sobre o potencial do vídeo para a aprendizagem. Porém, o uso constante como forma de distrair ou acalmar as crianças deve e tem de ser evitado. É essencial que os pais saibam desativar a reprodução automática dos vídeos, de forma a evitar o vício e a adição, e manterem-se atentos aos tipos de vídeos que são visualizados. A versão do YouTube Kids é uma opção mais segura e bastante interessante para crianças mais novas. Em alternativa à utilização do YouTube como babysitter, a promoção de atividades que alimentem a imaginação e deixem espaço para a brincadeira, são essenciais. Assim, podem ser explorados audiolivros, explorados jogos físicos, livros ilustrados ou músicas que incentivem a interação entre pais e filhos.
7. Não publicar fotografias dos filhos na internet
A partilha de imagens de crianças nas redes sociais tornou-se um hábito comum, mas deve ser ponderada com cuidado. Antes de publicar será bom que o adulto questione se gostaria de ver uma foto sua em criança, embaraçosa, disponível para todos verem. Provavelmente não, mas expõem os seus filhos a absurdos e a momentos que ficarão registados na sua pegada digital para todo o sempre. Muitas imagens com nudez de crianças acabadas de nascer, embaraços e de má interpretação ficam disponíveis para serem usadas e copiadas por qualquer pessoa, e uma vez online, as imagens tornam-se, praticamente, impossíveis de remover por completo. O respeito pela privacidade e dignidade das crianças deve estar sempre em primeiro lugar. Porém, se forem partilhadas, que se tenha em atenção o uso de filtros, emojis ou desfoques que protejam a identidade da criança e debater com as próprias quais as que gostariam de ver partilhadas ou não.
8. Prestar atenção a sinais
O envolvimento com jogos ou aplicações pode ser sinal de interesse, mas também pode esconder um início de dependência. Estar atento a sinais como a dificuldade em dormir, irritabilidade, sedentarismo ou perda de interesse noutras atividades é importante. Evitar que os telemóveis vão com as crianças dormir para os quartos é um bom comportamento, podendo todos, ficarem indisponíveis a partir de determinadas horas e num espaço único, evitando a utilização noturna. A utilização de aplicações como o Family Link, da Google, para controlo e autorregulação digital é outra boa alternativa, desde que usadas em conversa e diálogo com as crianças. Deveremos estimular a conversa sobre o tempo de uso de ecrã e os limites, regular ao invés de banir, porque o objetivo não é eliminar os ecrãs, mas integrá-los com consciência e equilíbrio na vida familiar. Algumas boas práticas poderão ser o registo do que foi feito e como se sentiu após o uso digital e promover espaços de escuta, onde se fala do que foi positivo e negativo na relação com a tecnologia.
9. Manter a calma durante um conflito
Os conflitos em torno do uso do ecrã são naturais, sempre existiram em relação a outros recursos analógicos e digitais, entre pais e filhos. É importante que os pais mantenham a calma e ajudem os filhos a desenvolver competências de resolução de problemas. Em vez de intervir sempre que surge uma disputa, ofereça ferramentas de mediação e escuta ativa. Por vezes, os limites têm de ser impostos com firmeza e clareza, mesmo perante a resistência dos filhos. A consistência nas regras é crucial para o desenvolvimento emocional e comportamental das crianças. Deste modo, usar histórias ou metáforas para explicar os limites, como o cérebro também precisa de descansar, como uma bateria podem ser úteis na interação. Sugerimos ainda a criação de um semáforo digital com as cores verde (uso livre), amarelo (atenção) e vermelho (proibido), para facilitar a visualização dos momentos digitais, considerando a regulação e negociação entre pais e filhos.
10. Divertir com um ecrã
O mundo digital também pode ser um espaço de partilha e diversão em família. Ver o que os filhos jogam ou assistem permite aos pais conhecer melhor os seus gostos e preocupações, conhecer o seu “eu digital”. Assim, o compromisso entre a família, de jogar jogos educativos, criar vídeos, usar filtros e emojis, desenhar num tablet ou até tirar fotografias juntos são formas de construir memórias afetivas através da tecnologia. Quando o uso do ecrã se transforma numa experiência conjunta, passa a ser um complemento, e não um obstáculo, à relação familiar.
A arte de equilibrar numa era dominada pelo digital é essencial. Educar para um uso consciente e equilibrado da tecnologia é um dos maiores desafios da parentalidade moderna. As crianças de hoje crescem num mundo onde os ecrãs estarão sempre presentes e isso não irá terminar, por mais que os excluamos da escola. Caberá aos adultos, que são os responsáveis pedagógicos e parentais, por criarem um ambiente seguro, estimulante e afetivo onde a tecnologia seja um meio, e não um fim, na construção de uma infância plena e saudável. A parentalidade digital positiva não é um manual rígido, mas um caminho feito de escolhas conscientes, paciência e tempo de qualidade, de modo que entre o toque e o ecrã, esteja, sempre, o afeto como o maior gesto de conexão.
O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990